Pedro Montenegro: 'Policiamento de Alagoas é burro'

A morte do médico Alfredo Vasco e a reação dos alagoanos nas redes sociais, na internet, colocou, novamente, na pauta a violência que assusta Alagoas. Todos sabem que o estado é o mais violento do Brasil. E Maceió, a terceira cidade mais violenta do mundo.

 

Ex-secretário de Direitos Humanos de Maceió e ex-ouvidor nacional de Direitos Humanos, Pedro Montenegro critica o modelo local. Diz, por exemplo, que o Governo se recusa a adotar o policiamento comunitário; os peritos criminais escolhem os corpos a serem periciados; e que a falta de escolas e praças em bairros da capital encaminha os jovens para o mundo do crime. Veja entrevista.

 

 

Por que, mesmo investindo 58% do orçamento na área de segurança pública em ações de policiamento- como rondas- a gente observa um índice alta de homicídios na Grande Maceió- em média, 20 homicídios por final de semana?

 

O policiamento de Alagoas é burro. Insiste-se em um policiamento aleatório. Todas as pesquisas no mundo mostram que o policiamento aleatório é insuficiente: Ronda Cidadã não funciona. O que foi aplicado no mundo, no Brasil e em Alagoas de forma parcial, mas acabou sendo sufocado? O policiamento comunitário, porque conhece a comunidade, o território e que tem o controle social da comunidade. A aposta do Governo Federal sempre foi que os estados adotassem a filosofia do policiamento comunitário- a UPP, que vemos no Rio de Janeiro: a polícia comunitária mais intervenções urbanísticas. 58% do orçamento de segurança gasto em policiamento poderia ter um resultado melhor se os gastos fossem mais qualificados, mas é burro.

 

Mas, a outra questão é achar que a violência se resolve exclusivamente por ação policial. Isso é um fracasso.

 

Esse o principal ponto levantado na morte do médico Alfredo Vasco: o de que não havia policiamento na região ou ele era insuficiente. Então, o senhor não concorda com isto?

 

Não é só neste caso da triste e lamentável morte do médico, como todas as mortes são tristes e lamentáveis. São milhares por ano. A questão é que o problema da insegurança não se resolve do ponto de vista policial. A política de segurança em Alagoas é um fracasso. Uma tragédia. Primeiro, não há modelo de policiamento. Qual o plano estadual de segurança? Qual o diagnóstico da segurança? E muitas autoridades teimam em desmentir os números do Serviço de Informação de Mortalidade que nenhum pesquisador do Brasil questiona estes dados do Mapa da Violência. O Serviço é a fonte mais segura de recolhimento de dados do Brasil- a mais confiável.

 

Em Alagoas, temos a interiorização da violência. Esse fenômeno é sentido no Recife. Em Recife, temos a diminuição do número de homicídios e houve crescimento em algumas regiões. O que aconteceu em Alagoas? Maceió continua liderando e outras cidades aparentemente pacíficas os índices aumentam: União dos Palmares, Palmeira dos Índios, Teotônio Vilela, Coruripe, Arapiraca. E as autoridades estão dormindo, os prefeitos não percebem que o assunto também é com eles.

 

Violência existe em todo o lugar do mundo, mas o que chama a atenção em Alagoas é que, além dos índices elevadíssimos, a brutalidade dos crimes é assustadora: um menor morto a facadas e depois ter o corpo queimado; a morte de duas meninas em Coruripe e corpos jogados em um canavial. Por que isto?

 

Temos fatores que nos prejudicam mais: a ineficiência, a incapacidade da segurança pública de gestar um plano, com método, com resultados, com objetivos. O orçamento em segurança é dispendioso porque não dá resultados. A outra questão é se achar que este problema só será resolvido com atividade policial. Há escolas que não começaram o ano letivo. Onde estão os jovens que deveriam estar nas escolas estaduais? Nas praças? Nos centros culturais que não existem? No espaço de lazer que não tem? E ainda existe a tendência de atribuir tudo ao crack. O crack não explica a violência de Alagoas, que vem antes do crack.

 

O que acontece então?

 

Em Maceió, temos regiões com grande densidade populacional como Jacintinho, Benedito Bentes, orla lagunar, que não há espaço de lazer, não há oferta regular de ensino, saúde, segurança, mas um movimento regular e abundante de arma e droga. O resultado é esse: jovens sem perspectiva. É agregado ao jovem: ele precisa de espaço de socialização. Há bairros inteiros no Tabuleiro ou Clima Bom em que não há uma única praça. A Vila Olímpica de Maceió está inaugurada, no centro de um dos bairros mais violentos do mundo, que é o Village Campestre, e está sub utilizada. Imagine se ela funcionasse 24 horas, com monitores de Educação Física, Teatro, inclusão digital? O que eu espero é que a morte do médico Alfredo Vasco seja uma semente da transformação da segurança pública. Que não seja uma indignação que dure 15 ou 20 dias.

 

E o quadro não muda nem com a violência contra a mulher, não é isso?

 

Na sexta-feira, estará em Alagoas a CPMI de Combate à Violência Contra a Mulher. Por que? Porque é um dos que mais mata mulheres. De 2008 a 2010, a violência contra a mulher cresceu 57%. Um estado que é campeão de homicídios é o Espírito Santo. Neste mesmo período- 2008 a 2010- a violência reduziu em 13%. Quer dizer: a tendência vai ser que estaremos em primeiro lugar neste tipo de caso- mais um título negativo.

 

Voltando a esse ponto do policiamento: o comandante de Policiamento da Capital, coronel Gilmar Batinga, pensa de forma completamente do senhor. Ele diz que o modelo de policiamento comunitário está ultrapassado e o mais moderno é a viatura e os policiais em movimento; o Conselho Estadual de Segurança- pelo menos alguns dos seus integrantes- fazem a defesa do modelo de policiamento comunitário. No final das contas, modelo nenhum funciona. Por que?

 

Porque não há definição do governador. Falo de definição política, de orientação, determinação. O estado de Pernambuco criou um pacto pela vida e a partir deste pacto- cujo monitoramento é uma sala ao lado do gabinete do governador, para se ver a importância deste programa- tem reduzido a violência. É um plano de metas, dividindo em regiões, integração das polícias, criou-se um Departamento de Homicídios-não como o que a gente tem aqui, meia boca. Em Pernambuco, este departamento tem mais de 40 delegados, todos treinados, capacitados, gente nova. E recebeu orientação: independência funcional e priorize-se retirar de circulação os criminosos contumazes, ou seja, aqueles que reiteradamente praticam o crime de homicídio. Isso é uma forma de não se entrar no debate se estes criminosos são de uma quadrilha, se é tráfico ou crime organizado.

 

Soluções pontuais, então, não estão resolvendo o problema da segurança?

 

Aqui em Alagoas temos o menor número de delegados no País, menor número de peritos. O peritos criminais vivem a “escolha de Sofia”: tem de escolher a cada plantão qual o local que vão fazer. São quatro peritos para toda Alagoas. Não há descentralização dos peritos. Estamos perdendo peritos de alto gabarito. Não podemos tratar a situação da violência com Melhoral, Sibalena ou Tylenol. O assunto é grave. Tem que se ter prioridade. Não tem dinheiro? Parem todos os investimentos e vamos tratar da segurança pública. Se a direção atual não serve, troque. Eu estava em Brasília na Semana Santa. Houve 11 homicídios. O que aconteceu? Segunda-feira pela manhã o secretário de Segurança do Distrito Federal foi à televisão explicar as medidas que seriam adotadas. Demitiu toda a cúpula da Polícia Militar e se comprometeu a apresentar à sociedade uma proposta para redução dos homicídios. Em Maceió, voltando da Semana Santa, abro os sites e vejo: 18 mortes. O que aconteceu? O secretário de Defesa Social se explicou?

 

Há um mito de que a intervenção federal resolveria o problema da segurança pública. O que acha?

 

Não resolve e nem vai existir. A intervenção federal clássica foi feita para não acontecer. Se houver, tranca a pauta do Congresso Nacional. Há uma polêmica se o melhor é um secretário de fora ou daqui. Melhor que seja um secretário competente, com capacidade de dialogar com a própria instituição. Hoje, as representações das polícias não são ouvidas; o Conselho de Segurança não tem garantido o direito ao profissional de segurança de opinar. Veja se é possível não existir profissionais da área no Conselho de Segurança? Os outros conselhos são tripartites ou bipartites. O Conselho Estadual de Segurança é o reduto dos bachareis. O policial que está na rua há 20 ou 30 anos não tem nada a dizer sobre segurança? Acho que ele tem.

5 respostas

  1. Parabéns, Sr. Pedro Montenegro. Tenho 27 anos de polícia e nunca fui ouvido em informações de Segurança. V. Sa. está absolutamente correto em suas colocações. Merece ser Secretário da Defesa. Por mim, a vaga seria sua!!!!!

    1. O que falta é seriedade é de boi a tabaco. É incrivel na PM existe Planejamento estratégico e Trabalhos de Graduação diversos que poderiam ser emplementados, mas não sai do papel, ninguém houve ninguém, é uma verdadeira desordem, o sistema emperra tudo, muita gente desanimada, com pós graduação; conhecimento ciêntico, não valorizado e considerado. Digam o que podemos fazer é só entregar a Jesus.

  2. A meu ver, não há outra saída para a Segurança Pública de Alagoas senão a Polícia Comunitária. Se esse modelo de policiamento não desse certo, ele não estaria há mais de 300 anos funcionando no Japão.

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