Repórter Nordeste

Paulão: Um retrato da homofobia no Brasil

Paulo Fernando dos Santos, Paulão – Deputado federal (PT)paulao

Vivemos tempos difíceis de transição paradigmática na situação dos direitos humanos da população de transexuais, travestis, lésbicas, bissexuais e gays ‐ LGBT no Brasil.

Neste sentido, o festejado sociólogo Boaventura de Sousa Santos, no Volume 1 de sua obra A Crítica da Razão Indolente, descreve de modo poético os riscos e a insegurança desse período:“[…] ao contrário do que se passa com a morte dos indivíduos, a morte de um dado paradigma traz dentro de si o paradigma que lhe há de suceder. Esta passagem da morte para a vida não dispõe de pilares firmes para serem percorridos com segurança. O que nasce é incomensurável com o que morre, não havendo, pois, nem ressurreições nem reencarnações”.

Por um lado, vivenciamos situações onde o novo vai irrompendo as amarras, superando obstáculos e ampliando para a população de transexuais, travestis, lésbicas, bissexuais e gays – LGBT direitos historicamente exclusivos da elite heteronormativa, a exemplo da memorável decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF nº 132-RJ, que pacificou por unanimidade sobre qual o tratamento jurídico deve ser aferido às uniões homoafetivas no Brasil, abominando, rejeitando e afastando do ordenamento jurídico brasileiro a desigualação jurídica, a discriminação e o preconceito em razão da forma dos seres humanos expressarem o seu afeto em uniões entre pessoas do mesmo sexo. A suprema corte assentou essa bela e rara unanimidade na proclamação do direito a intimidade e a vida privada como direitos civis constitucionais de primeira ordem por dizerem respeito ao jeito de ser singular de cada pessoa.

Doutra banda, testemunhamos abstrusas e ferrenhas reações da elite heternormativa como, por exemplo, na esdrúxula e descabida aprovação pela Comissão de Direitos Humanos desta casa do Projeto de Decreto Legislativo nº 234/2011 de autoria do deputado João Campos, o malfadado projeto alcunhado de “cura gay”. Infelizmente, a Comissão de Direitos Humanos, de históricas e relevantes lutas em favor das melhores causas da dignidade humana do povo brasileiro, tornou se na atual legislatura o bastião da reação obscurantista.

Aliás, o Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil: ano de 2011, recém lançado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, descortina com bases em estatísticas produzidas a partir de denúncias ao poder público, referentes a violações de direitos humanos cometidas contra a população LGBT em todo o território brasileiro, durante o ano de 2011, o quão presente é ainda na sociedade brasileira o obscurantismo da homofobia, da intolerância, do preconceito e da discriminação.

O Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil, uma iniciativa louvável e pioneira na América Latina, lança pela primeira vez dados oficiais sistematizados sobre o tema.

O Relatório aponta um quadro assustador de violências homofóbicas no Brasil: no ano de 2011, foram reportadas 18,65 violações de direitos humanos de caráter homofóbico por dia. A cada dia, durante o ano de 2011, 4,69 pessoas foram vítimas de violência homofóbica reportada no país. Se tivermos em mente que parte significativa das violações não é denunciada, a inclemência dos números se agrava exponencialmente.

A homofobia no Brasil, segundo o relatório, é estrutural, atuando de forma a tornar não humana as expressões de sexualidade divergentes do padrão hegemônico heterossexual, atingindo a população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais em todos os níveis e espaços.

Os dados denotam como a sociedade brasileira ainda é extremamente sexista, machista e misógina. A maioria dos agressores é do sexo masculino. Apesar de ser amplamente disseminada, a homofobia pode ser mais sentida por jovens e por negros e pardos.

O Relatório desvela quanto tudo o que foge do padrão da heteronormatividade é encarado como doentio e criminoso, necessitando de “cura” e de “correção” realizadas sob o signo da violência.

O Relatório é um instrumento essencial para o enfrentamento à homofobia e às demais formas de preconceito no Brasil, exigindo do parlamento brasileiro uma resposta à altura da magnitude dos dados coligidos. Precisamos vencer o obscurantismo e o reacionarismo e, de uma vez por todas, criminalizar a homofobia nos mesmos termos em que foi criminalizado o racismo.

O Estado Democrático de Direitos não comporta esse quadro de sistemática violação de direitos humanos da população LGBT, que se alimenta da perversa exclusão da proteção dos Direitos Humanos, como o da não tipificação dos odiosos crimes de homofobia.

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