Parece que foi ontem

O crescimento do emprego está cada vez mais concentrado nos setores de serviços e comércio

José Márcio Camargo-Professor Titular do Departamento de Economia da PUC/RIO, sócio da Opus Investimentos-O Estado de S. Paulo

Após  forte crescimento em 2010, a produção industrial estagnou em 2011, e o  nível de produção da indústria brasileira permanece abaixo do atingido  em 2007. Com a estagnação da indústria, o PIB da economia do Brasil  desacelerou, o que, combinado com o agravamento da crise da dívida  europeia, levou o Banco Central (BC) a iniciar um processo de redução  das taxas de juros e reversão das medidas de controle do crédito  adotadas em 2010. Como o afrouxamento monetário e do crédito deverá  reativar a demanda, espera-se que a indústria responda com a retomada do  crescimento.

Essa expectativa se baseia no diagnóstico de que o  problema do setor está na falta de demanda. Entretanto, existem fortes  sintomas de que esse diagnóstico está errado e de que, ao adotar  políticas monetária e de crédito mais frouxas, o resultado poderá ser  mais negativo do que positivo para o setor industrial.

Primeiro,  as taxas de desemprego estão em níveis recordes de baixa, próximas a 5%  da força de trabalho e em queda. O crescimento do emprego está cada vez  mais concentrado nos setores de serviços e comércio. Segundo, o crédito  para as pessoas físicas e para as empresas está crescendo  sistematicamente acima do crescimento do PIB, tendo a relação  crédito/PIB passado de 26%, em 2002, para 49%, em 2011. Em 2011 as  concessões de crédito subiram 19%. Finalmente, as taxas de crescimento  das importações de bens industriais estão bastante altas. A participação  das importações no total da oferta de produtos industriais no Brasil  atingiu 21,5% no 3.º trimestre de 2011. Ou seja, a demanda por produtos  industriais está crescendo a taxas até mesmo insustentáveis, se  desconsiderarmos as importações.

A questão é que os preços desses  bens no mercado internacional têm caído em termos absolutos, o que  impossibilita às empresas brasileiras aumentarem seus preços  unilateralmente e segura a inflação da indústria. Mas, como os serviços  são não comerciáveis, os aumentos de demanda por serviços têm de ser  atendidos por maior produção interna. Dada a baixa taxa de desemprego, o  aumento da oferta de serviços não tem sido suficiente para acompanhar o  da demanda, levando a taxa de inflação deste setor para a casa dos 9%  ao ano, em 2011.

Com o aquecimento do mercado de trabalho, os  salários nominais cresceram mais de 8% em 2011, o que é uma taxa muito  superior ao crescimento dos preços industriais somados aos ganhos de  produtividade (que, aliás, está estagnada desde 2007). Ou seja, o custo  do trabalho para produzir uma unidade de produto industrial está subindo  fortemente, devido à diferença entre as taxas de inflação do setor  industrial e do setor de serviços e ao aquecimento do mercado de  trabalho. Entre dezembro de 2008 e novembro de 2011, o custo unitário do  trabalho em reais aumentou 15,7%, enquanto, em dólares, o aumento foi  de 32,5%. É isso que está reduzindo a competitividade da indústria  brasileira e gerando estagnação.

Com o aumento da demanda em razão  do afrouxamento monetário e de crédito, as taxas de desemprego devem  cair e a inflação de serviços deverá subir. Como as importações seguram  os preços do setor industrial, a disparidade entre os reajustes de  salários e os preços dos bens industriais vai aumentar, diminuindo a  competitividade da indústria brasileira.

Para o setor industrial,  seria melhor que o BC aproveitasse a tendência deflacionária externa  para reduzir a meta para a inflação brasileira a níveis similares aos  dos nossos parceiros comerciais, diminuindo, ao mesmo tempo, a  disparidade entre a taxa de inflação do setor industrial e a do setor de  serviços, ainda que com taxas de juros reais um pouco mais altas.

A  solução estrutural para a diminuição da competitividade é uma completa  reforma da legislação trabalhista, que é totalmente inadequada para uma  economia aberta. Em lugar disso, o governo tem utilizado o aumento da  proteção comercial para “defender” a indústria, o que diminui ainda mais  a concorrência e, portanto, a competitividade do setor industrial no  futuro.

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