Para TJ, lei dos precatórios é inconstitucional; PGE defende

"Em circunstâncias normais, as pessoas não recebem esses créditos", disse procurador Geral do Estado, Marcelo Teixeira

O problema não nasceu agora. Ele tem nove anos de idade. A lei 6410/2003 é uma pirralha esperta: quem a pensou criou uma alternativa considerada inconstitucional, por conselheiros do CNJ, driblando cálculos governamentais e blindando o assunto nos corredores das secretarias da Fazenda e da Gestão Pública.

“É como se fosse uma lei maior que a Constituição Federal, a maior de todas as nossas leis”, disse o juiz Diógenes Tenório.

O Governo pensa diferente. “A lei é vantajosa sim. Ela permite que o Estado possa zerar um estoque de dívida, digamos assim, recebendo o Imposto de Renda. Tiro por um caso pessoal: espero há 25 anos para receber um crédito a que tenho direito na Justiça do Trabalho. Até brinco: quando entrei, eu estava no Estatuto da Criança e do Adolescente. Hoje, estou no Estatuto do Idoso”, disse o procurador Geral do Estado, Marcelo Teixeira.

“Em circunstâncias normais, as pessoas não recebem esses créditos”, arrematou.

As “circunstâncias normais” se referem à demora judicial. O Estado não reconhece que tem uma dívida a pagar com um servidor público: um plano econômico fracassado, uma diferença salarial em mudanças de moeda, diferenças que deixaram de ser pagas em aumentos.

E, quando o Estado reconhece a dívida, pode atrasar este pagamento por anos, dividido em centenas de parcelas.

Se o servidor tem créditos a receber, estes créditos- em “circunstâncias normais”- viram precatórios, que é um aviso ao Governo: o débito tem de ser pago por ter passado em todas as instâncias judiciais.

Como a Justiça brasileira é lerda, Alagoas aproveitou um “atalho” criado por Rondônia, Mato Grosso e Espírito Santo: a edição da lei 6.410/2003.

Em resumo, ela funciona assim: o crédito (que não virou precatório) do servidor é negociado com a empresa. O deságio é de 70%. O servidor recebe 30%. A empresa adquire o crédito para compensar o ICMS.

O valor deste crédito é calculado por dois escritórios de advocacia em Alagoas- ávidos pelos honorários em negócios milionários. Isso é tão bom financeiramente para poucos que enriquece profissionais do direito do dia para a noite.

“Como então eles chegam à conclusão para se pagar valores em crédito tão astronômicos, na casa dos milhões?”, pergunta o juiz Diógenes Tenório.

“Já recebemos os valores para autorização destes pagamentos. Não questionamos porque são decisões judiciais, têm de ser pagas” argumenta o procurador Marcelo Teixeira.

Enquanto os dois lados não se entendem, o negócio dos precatórios corre solto: nenhuma investigação aberta no Ministério Público Estadual, muita gente enriquecendo em Alagoas com uma lei imoral e nenhum questionmento jurídico a lei dos créditos que salva a prática de servidores públicos abastados.

Na semana passada, o Tribunal de Justiça e a OAB receberam pedido de informações, do conselheiro do CNJ, Jefferson Kravchychyn, pedido de informações sobre o pagamento de precatórios. O CNJ quer realizar um seminário nacional sobre o tema.

“O comércio de precatórios neste país é uma das coisas mais injustas que nós temos. Existem precatórios que são cedidos com deságio de 90%. As pessoas, para não morrerem sem receber, recebem o que for oferecido. E quem tem feito isso? As grandes empresas, os grandes escritórios de advocacia, que recebem informações privilegiadas dos tribunais e entram em contato com os credores para, dessa forma, negociar os precatórios. Isso é caso de polícia”, disse a ministra-corregedora do CNJ Eliana Calmon, em uma palestra realizada há meses atrás, no Distrito Federal.

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