Pablo Viana: Por que a SBPC me ensina a voltar diferente para sala de aula?

Pablo Viana-ex-secretário de Ciência e Tecnologia. É professor da UFAL

A arte de receber bem é parte do rico imaginário popular que o povo alagoano se orgulha em oferecer aos seus visitantes. Seria por suas tradições culturais, sua culinária diferenciada, ou simplesmente porque se considera um povo hospitaleiro, que adora receber elogios pela beleza de suas riquezas naturais? Muito além dos fatores pitorescos, na semana de 22 a 28 de julho de 2018, a Universidade Federal de Alagoas receberá, pela primeira vez na sua história, a reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Uma organização que completa 70 anos de contribuições para a consolidação e avanços da comunidade acadêmico-científica do país. A reunião da SBPC é, em sua abrangência, um dos maiores eventos científicos da America Latina, e acontece anualmente no Brasil.

Num país organizado em 26 estados federados, mais o distrito federal, receber pela primeira vez um acontecimento que já está em sua 70a (septuagésima) edição tem um grande significado a ser explorado. A primeira indagação: Por que somente agora Alagoas se tornou hospedeira de tal evento? A resposta poderia ser longa e descrita em uma lista cansativa de motivos. Mas para os fins a que direciono esta reflexão, destaco aqui três elementos que considero que foram essenciais: a) oportunidade do momento; b) vontade política e c) integração inter-institucional.

A realização da reunião da SBPC na terra dos marechais, anseio antigo entre os colegas pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas, foi um projeto ousado, que tive o privilégio de acompanhar enquanto estive à frente da gestão estadual da pasta de ciência e tecnologia, ao lado do professor Fabio Guedes, diretor-presidente da Fapeal.

A oportunidade simbólica surgiu, de fato, em meados de agosto de 2015, no museu Palácio Floriano Peixoto, antiga sede do Governo do Estado de Alagoas. Naquela ocasião, o governador Renan Filho recebia, para um almoço de cortesia, os membros do Conselho Nacional de Educação, que realizavam um encontro, em Maceió.

Na mesa de refeições, rodeada por personalidades e suas respectivas entidades, incluindo ministérios, secretarias e diretorias de ensino de todo o país, aproveitávamos para tratar de pautas diversificadas, desde as iguarias alagoanas sendo servidas, aos maiores desafios da educação brasileira, agravados pelo clima de crise nacional, que já estava em plena expansão. Quando oportunamente, ao propor algumas das ações que pudessem ajudar a reverter o cenário e aproveitando o momento na presença do governador, expusemos de maneira enfática, o desejo de realizarmos em Alagoas uma reunião da SBPC.

Nitidamente marcado pela sua própria experiência acadêmica, ainda da época em que era um estudante da UnB, o governador endossou a proposta, e a partir daquele momento, começamos a ouvir dos demais convidados os caminhos necessários para que aquele desejo se concretizasse, galgando cada instância necessária. Uma vez que a edição 2016 da reunião já estaria definida para acontecer na Bahia, trabalhamos na intenção de celebrar os 200 anos de Alagoas com a realização do grandioso evento científico em 2017. O tempo passou rápido, e mesmo com intensa articulação liderada pela Fapeal, a SBPC decidiu que naquele ano, a 69a reunião aconteceria em Minas Gerais, mas que 2018 seria o ano de Alagoas.

Já haviam portanto, 2/3 dos elementos mencionados anteriormente para a realização do evento. Porém, o sucesso do projeto dependia de um ambiente propício de integração do sistema alagoano de entidades de ensino, pesquisa e inovação, além dos recursos financeiros necessários. A Ufal como anfitriã do evento, articulada com outras instituições de ensino básico e superior, públicas e privadas, órgãos de governo estadual, municipal e a participação da sociedade alagoana em geral. Uma ampla integração inter-institucional, até então, sem precedentes.

Com uma atuação acadêmica tipicamente isolada e delimitada pelo alcance que os recursos federais lhe proporcionavam, com poucos casos de interação universidade-empresa e sem grandes pretensões de sensibilização da sociedade sobre a importância da universidade, nos últimos anos, a Ufal precisou se reinventar. Com efeito, além de reconhecer a importância das demais instituições de ensino superior, era preciso também fortalecer a rede de educação básica, fornecedora dos futuros talentos humanos.

Para enfrentar esses desafios, a Ufal passou a contribuir e usufruir da colaboração formalizada com o Governo do Estado de Alagoas, que viabilizou, entre outras importantes ações, a Feira de Ciências da Educação Básica de Alagoas (Experiment-al) e o Prêmio de Jornalismo Científico José Marques de Melo, além do fortalecimento de órgãos colegiados como o conselho e o comitê estadual de ciência e tecnologia.

Destaco especialmente essas ações porque inauguraram um novo formato de financiamento de eventos científicos, onde a iniciativa privada sensibilizada pela oportunidade e impacto das ações passou a desempenhar papel participativo na organização dos eventos, transformando o patrocínio em uma oportunidade de retorno do investimento.

A feira Experiment-al que teve sua primeira edição em 2016, possibilitou a integração de estudantes da educação básica da rede pública e privada, inclusive com a participação de escolas do interior, compartilhando um espaço de exposição científica em um dos maiores shopping centers da capital, contribuindo para o estímulo de estudantes, professores, sensibilização da sociedade sobre a importância da iniciação científica, e finalmente movimentando o centro de compras e serviços. Este foi também um importante passo de amadurecimento, permitindo que um número expressivo de escolas alagoanas pudessem se preparar para divulgarem seus trabalhos na SBPC Jovem, uma exposição específica do pavilhão do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) que ocorre dentro da reunião da SBPC.

O Prêmio de Jornalismo Científico, instituído em 2017 com a intenção de despertar o interesse do jornalismo alagoano para pautas de divulgação científica, contribuiu de forma substancial para popularização da ciência, levando aos cidadãos uma parte do conhecimento e pequisa realizadas no estado, além é claro, de impulsionar a imprensa para a cobertura dos eventos que estavam por vir.

O fortalecimento da integração acadêmica-científica que se formou nos últimos anos em Alagoas também foi numericamente monitorada através das ações da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia. Graças ao engajamento cada vez maior de instituições locais, o Conselho Estadual de C&T oficializou um comitê de acompanhamento, e as ações individuais de cada instituição envolvida passaram a ser computadas em um único portal na web, e repassadas ao MCTIC. O incremento monitorado, na ordem de seis vezes ao longo dos últimos três anos, também contribuíram para demonstrar o amadurecimento do cenário alagoano para receber um evento do porte da reunião anual da SBPC.

Além das palestras, cursos e exposições científicas, o evento oferece uma rica experiência acadêmica aos visitantes, resgatando o prazer de caminhar no campus universitário, envolvido por um ambiente multi-cultural, graças à presença de visitantes de outras regiões, entidades do setor empresarial, serviços de alimentação diversificada e dos espaços povoados. A intensa aproximação sociedade-universidade atualiza o pensamento crítico.

A ciência brasileira, sistematicamente negligenciada pela classe política, pelos recursos escassos para financiamento público, pela legislação ineficiente de incentivo à inovação, e principalmente, pela ausência nas decisões estratégicas de desenvolvimento, excepcionalmente durante o evento, passa a ser o foco das atenções. Prefeitura municipal, governo estadual e entidades federais buscam por seus espaços dentro e fora do pavilhão de exposições. Organização do trânsito local, reforço na segurança pública e patrimonial, e presença de autoridades, inclusive de presidenciáveis, são apenas alguns exemplos. Mas, na minha opinião, o mais interessante é ver o nosso campus se transformar por estes dias, de fato, em uma universidade. Como assim? Em seu sentido mais fundamental, de universalidade, diversidade, ponto de encontro de pensadores e suas idéias, exposição de projetos, alguns de caráter puramente acadêmico, outros em formato empreendedor, música, arte, protestos e muito mais. Lamentavelmente, a universidade brasileira, nos últimos anos, tem se distanciado dessa essência, oferencendo em um calendário de desencontros, períodos letivos inócuos, corpo docente atribulado, e estudantes, em geral, desestimulados.

Inspirados pelo evento, a reunião da SBPC, pode ser um momento propício para reavaliar e refletir sobre os caminhos e possibilidades da ciência Brasileira e o papel fundamental da universidade. O que podemos esperar daqui pra frente? O mesmo que costumamos esperar na realização de grandes eventos: o legado. Alagoas terá mudado para sempre a forma como os seus governantes enxergam a importância da ciência para a sociedade? A comunidade científica aproveitará melhor as oportunidades de colaboração mútua? Passados esses dias marcantes, espero nunca mais voltar às nossas salas de aula, com ventiladores barulhentos e quadros manchados, repletas de corpos cansados, apenas para cumprir nosso compromisso semanal.

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