Othoniel Pinheiro- Professor de Direito Constitucional
Diante da polêmica instaurada, gostaria de apontar algumas considerações divergentes às decisões proferidas pelo STF validando à chamada de deputados por Estado na votação da admissibilidade do processo de impeachment.
É importante destacar que a existência do sistema bicameral no Poder Legislativo brasileiro deve-se ao nosso sistema federalista, tão bem retratado pelo alagoano Tavares Bastos, em que se exige a representação dos Estados no poder central.
Assim, a existência do Senado Federal não tem outra razão a não ser a representação dos Estados no Poder Legislativo, acarretando, inclusive, a representação igualitária entre eles: 3 (três) senadores para cada Estado e o Distrito Federal.
Essa é a leitura do art. 46 da Constituição Federal:
Art. 46. O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário.
Outro tipo de representatividade, totalmente diversa, carrega a Câmara dos Deputados, uma vez que essa Casa serve para albergar os representantes do povo brasileiro eleitos pelo sistema proporcional, ou seja, aquele sistema em que não se vota, a princípio, na pessoa do candidato, mas, sim, no partido ou na coligação.
Observe-se a redação do art. 45 da nossa Carta Magna:
Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.
Note-se que a “eleição por Estado” preconizada pela Constituição Federal deve-se a fatores de viabilidade eleitoral, uma vez que ficaria impossível realizar eleições à nível nacional para o preenchimento de 513 vagas na Câmara.
Ora, não é sem razão que os Estados mais populosos devem eleger um número maior de deputados federais, justamente porque esses representam a população de maneira proporcional. Por tudo isso, a existência dos Estados nessa norma do art. 45 da Constituição somente deve ser considerada para fins de eleição e não para fins de representatividade nos trabalhos da Câmara.
Outro ponto importante é que o próprio sistema de votação proporcional deixa claro que o deputado federal representa a linha ideológica de sua agremiação partidária, com o objetivo de albergar o mais amplo leque de representatividade popular, ou seja, a impessoalidade e a eleição proporcional mostram que é indevida qualquer alusão à representatividade pessoal na Câmara dos Deputados e, o que é ainda pior, qualquer alusão à representatividade por Estado, uma vez que essa última característica, quem já o possui é o Senado Federal.
É por isso que a Câmara dos Deputados não pode considerar a existência dos Estados da Federação em seus trabalhos, ou seja, para a Câmara, não deveria existir representantes de Estados.
Portanto, qualquer regra regimental da Câmara Federal que se reporte à representatividade por Estado não está compatível com a Constituição Federal, razão pela qual não concordo com a decisão do STF em validar a chamada por Estados na votação da admissibilidade do processo de impeachment.