Os desafios da gestão fiscal

Uma análise desagregada do orçamento, entretanto, mostra a inviabilidade entre cumprimento de meta e reforço nos investimentos. Em outros termos, o cumprimento da meta adviria mais de receitas maiores, do que de redução efetiva das despesas, que deverão ser controladas na "boca do caixa"

Felipe Salto é economista pela EESP/FGV e analista da Tendências / Rafael Cortez é doutor em Ciência Política pela USP e analista da Tendências- Valor Econômico

A política fiscal é ponto chave para o  entendimento da economia brasileira no médio e longo prazo em função da  agenda de redução da taxa de juros presente no governo Dilma. Em boa  medida, a viabilidade da redução de juros, sem pressões inflacionárias,  decorre de uma política fiscal contracionista. A contribuição da  política fiscal para essa agenda, contudo, é marcada por incertezas,  dados os múltiplos objetivos sinalizados pelo governo. Não apenas o  “primário cheio”, como também o aumento da taxa de investimentos aparece  como prioridade do Planalto. E mais, não haveria uma tensão entre os  dois objetivos. A comprovação da viabilidade desses objetivos estaria  expressa no corte orçamentário, levado a cabo pelo Executivo, que  sinalizaria a contribuição da política fiscal para a redução da Selic e a  preservação dos investimentos.

Uma análise desagregada do  orçamento, entretanto, mostra a inviabilidade entre cumprimento de meta e  reforço nos investimentos. Em outros termos, o cumprimento da meta  adviria mais de receitas maiores, do que de redução efetiva das  despesas, que deverão ser controladas na “boca do caixa”. A qualidade  (ruim) dos gastos públicos minimiza os efeitos contracionistas sobre a  demanda agregada.

À luz dessas considerações, pode-se dizer que o  anúncio de um contingenciamento de R$ 55 bilhões para o orçamento anual é  positivo e, se executado, poderá levar ao cumprimento da meta de R$  139,8 bilhões (para o setor público como um todo). O quadro abaixo  compara a dinâmica do corte orçamentário com o ano passado a fim de  apontar os dilemas do governo.

Uma das principais diferenças entre  o cenário previsto em orçamento e o nosso cenário reside no lado das  receitas. Mesmo na reprogramação anunciada, ainda há uma diferença de  cerca de 0,5 p.p. do PIB entre as estimativas. Isto é, se a arrecadação  for efetivamente menor, conforme nosso cenário, o governo precisará de  um contingenciamento superior ao estimado. Há duas explicações para essa  diferença: premissas distintas para o PIB e custos maiores estimados  para as desonerações fiscais.

Neste ano, a não ser que haja uma  injeção mais forte de recursos, via canais extraordinários (como  dividendos do BNDES), dificilmente a receita ficaria acima da  reprogramação orçamentária anunciada, como ocorreu em 2011. Ao  contrário, os cálculos apontam uma frustração de receitas e,  considerando as estimativas para a despesa, conforme explicitado, o  primário possível seria de apenas 1,6% do PIB e não de 2,15% do PIB  (meta correspondente ao governo central, pela lei).

Do lado das  despesas, a contenção de R$ 55 bilhões anunciada pelo governo é um sinal  positivo, mas precisa ser considerada à luz de dois fatores, além da  questão política: a) os gastos que mais sofrerão contenções, pelo  anúncio do governo, serão os discricionários (R$ 35 bilhões), com cerca  de R$ 25 bilhões concentrados em investimentos (uma parte, inclusive,  correspondente a recursos de emendas parlamentares, que foram congelados  integralmente); b) além dos cortes nas despesas discricionárias, foram  reduzidas as despesas obrigatórias, com destaque aos pagamentos de  benefícios previdenciários em R$ 7,7 bilhões e às despesas com subsídios  (custo do diferencial de juros em operações do BNDES e outros) em R$  5,2 bilhões.

Mesmo que ocorra o ajuste previsto em orçamento para  as despesas discricionárias, será preciso, ainda, um ajuste de R$ 3  bilhões adicionais, nos investimentos, para que nossa projeção de 1,6%  do PIB se confirme. Como o patamar de investimentos, com todos estes  contingenciamentos, ainda ficaria em R$ 52 bilhões, R$ 4,5 bilhões a  mais do que em 2011 (mesmo patamar, em % do PIB, ante 2011), tal  dinâmica nos parece factível.

Com isso, e reavaliando a posição  sobre a questão dos gastos com pessoal, passando a considerar (quadro)  que o governo conseguirá manter o nível de gastos previsto em orçamento,  a diferença central ficaria no campo das receitas.

Do ponto de  vista político, o cenário para o possível cumprimento de meta passa por  alguns fatores: a) coesão da base aliada para evitar projetos que  representem aumento de gastos do governo; b) blindagem do governo ao  calendário eleitoral, pois a pressão para gastos em ano eleitoral deve  ser maior do que em 2011. A questão é que, se não se confirmar uma  receita tão elevada como a prevista pelo governo, será preciso um  controle ainda maior das despesas discricionárias, o que tenderia a ser  excessivamente custoso politicamente.

Quanto aos impactos sobre a  demanda agregada e ao cenário de inflação, entendemos que a política  fiscal do governo, mesmo no cenário de cumprimento da meta de superávit  primário, não deve ter um forte efeito na contenção da demanda. Apesar  da magnitude do corte, não se verificaria um efeito contracionista, dado  que os gastos e as receitas teriam crescido (no cenário de 3,1% do PIB  para o primário, mesmo patamar de 2011) à mesma taxa (cerca de 5,8%, em  termos reais).

Em suma, o corte é positivo. O cenário de  cumprimento não é o de maior probabilidade, mas é crível e, com o  anúncio da reprogramação, ganhou força. Adicionalmente, não se espera  uma contribuição efetiva para compensar a magnitude da redução de juros  sinalizada pelo governo. Há sinais de melhora no campo fiscal, mas ainda  insuficientes, ante à ambiciosa agenda de afrouxamento da política  monetária. Assim, o cenário de demanda agregada não pressionada, mesmo  com juros baixos, deverá ser buscada por outros canais.

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