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ONG mexicana errou em levantamento sobre violência, diz consultor

O consultor em Políticas Públicas de Segurança, Pedro Montenegro, identificou erros na elaboração do relatório da ONG mexicana Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Penal. No relatório, Maceió saiu da primeira colocação nacional, como cidade mais violenta do Brasil e caiu da quinta para a sexta colocação mundial de local que mais mata, em lugares sem guerra.

Veja artigo completo de Montenegro

MACEIÓ DEIXOU DE SER A CAPITAL MAIS VIOLENTA DO BRASIL?

Pedro Montenegro é consultor em Políticas Públicas de Segurança e Direitos Humanos.

A divulgação do levantamento do Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Penal, uma Organização Não Governamental (ONG) do México com o ranking das 50 cidades mais violentas do mundo, teve vasta repercussão pelo Brasil.

Em Alagoas, um das novidades do citado levantamento foi a informação de que Maceió foi ultrapassada pela capital dos paraibanos, João Pessoa na liderança desse infame ranking foi amplamente noticiada pela mass media local.

As características dos “tempos líquidos”, para utilizar uma categoria do renomado sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em que vivemos, da dinamicidade, velocidade, fluidez, fragilidade e volatilidade afetam profundamente as relações humanas, mormente a qualidade e a veracidade das informações veiculadas instantaneamente em profusão desmedida.

Neste sentido, a repercussão em Alagoas do levantamento da ONG mexicana é emblemática. De quase tudo se falou: um ex-secretário do recém terminado governo estadual ouvido, com a peculiar síndrome de Poliana contente da era tucana em Alagoas, comemorou o fato como: “uma colheita plantada no governo anterior”. Já o comentarista de segurança de uma prestigiosa emissora de televisão local palpitou sobre as causas da diminuição da violência em Maceió e por ai seguiu sendo divulgado o levantamento sem nenhuma verificação das fontes e/ou da metodologia empregada.

Registre-se, por uma questão de honestidade intelectual, a sobriedade do Secretário de Defesa Social do Estado que, instado a comentar o assunto, limitou-se a falar do quadro gravíssimo da violência em Alagoas e da necessidade premente de adoção de medidas visando a sua reversão.

Alertado pela admoestação do notável geógrafo britânico David Harvey de que “as ideias têm consequências e as ideias falsas podem ter consequências devastadoras.”, fui verificar as fontes e a metodologia do já citado levantamento.

Qual não foi a minha estupefação, ao descobrir com uma detida leitura do documento, equívocos grassos na metodologia usada pela ONG mexicana, para afirmar que no Brasil, a cidade de João Pessoa, e não mais a cidade de Maceió, lidera o ranking da violência homicida.
A fonte utilizada pelo Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Penal para encontrar a taxa de homicídios 79,41 por 100 mil habitantes em João Pessoa foi o Boletim Trimestral de Criminalidade Estatístico: Número de Vitimas de CVLI da Secretaria de Defesa Social do Estado da Paraíba.

O Boletim é relativo ao ano de 2013, compreendendo apenas os dois primeiros trimestres daquele ano, englobando os homicídios e todos os demais Crimes Violentos Letais Intencionais dolosos que resultem em morte, tais como o roubo seguido de morte, estupro seguido de morte, lesão corporal dolosa seguida de morte, entre outros. Ainda, são contados os cadáveres encontrados, ossadas e os confrontos policiais.

A ONG mexicana projetou para o ano inteiro o número de CVLI desses dois trimestres, encontrando a taxa de 79,41 homicídios por 100 mil habitantes, no ano de 2013, em João Pessoa.

Já em Relação a Maceió, a fonte empregada no levantamento do Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Penal para auferir a taxa de 72,91 homicídios por 100 mil habitantes, foi o Boletim Mensal de Estatística Criminal de Alagoas da Secretaria de Defesa Social do Estado, relativo a novembro de 2014. O Boletim compreende aos meses de janeiro à outubro de 2014, data que estranhamente a SEDS parou de divulgar as estatísticas mensais, e, é também relativo aos Crimes Violentos Letais Intencionais. A ONG Mexicana também projetou o número de CVLI’s registrados nos 10 meses de 2014 para o ano inteiro, encontrando em Maceió a retro mencionada taxa de 72,91 homicídios por 100 mil habitantes.

Não é preciso ser nenhum expert em estatística criminal para perceber os monumentais equívocos do levantamento do Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Penal. Em primeiro lugar, com a confusão elementar entre dados sobre o número de homicídios e os dados de crimes violentos letais intencionais. O levantamento, sob o comento, utiliza dados sobre os crimes violentos letais e intencionais como se fossem tão somente dados do número de homicídios.

Outro percalço metodológico primário do levantamento é o emprego de anos diferentes: 2013 para João Pessoa e 2014 para Maceió, bem como períodos distintos: os meses de janeiro à outubro para Maceió e os dois primeiros trimestres para João Pessoa, para o estabelecimento de comparação entre Maceió e João Pessoa com vistas a classificação no ranking entre cidades mais violentas do mundo. É um óbvio ululante a imprecisão e a inadequação técnica deste procedimento.

Infelizmente, a reversão do quadro da violência epidêmica em Maceió e em Alagoas jamais será obtida como passe de mágica, que, ao simples pronunciar de uma palavra: Abracadabra! Tudo se transforma.

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