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Onde fica a certeza de que nos perdemos uns dos outros? Por Alessandra Araújo

Ah, esse mundo dos cliques e das curtidas…

O mundo do não pertencer. Da liquidez dos contatos, dos abraços
não dados, das vaidades nutridas. Dos poderes e narrativas em disputa
que findam em relações fluidas e na solidão real.

Onde iremos parar com essa absoluta falta de apreço pela dor do
outro?

Por esse inequívoco e constante “dar de ombros” à realidade a
nossa volta quando aquilo que não me atinge não é problema meu?!

Por vezes não encontro as palavras certas para a expressão dessa
angústia sentida e vivida quando as dores do outro também são minhas.

Continuo me perguntando em que curva da vida nos tornamos essa
sociedade desnutrida de amorosidade e generosidade. Ou será que nunca
estivemos nutridos da paz de pantanal e o ódio que hoje permeia as
relações humanas, no Brasil de 2022, sempre esteve à espreita, à espera
de ser legitimado por líderes de fala mansa ou de armas em punho?

Ambas as lideranças (os de fala mansa e os de armas em punho)
têm, na hipocrisia de suas escolhas, as mãos ensanguentadas dos corpos
que tombam por meio e ao final de suas apresentações em tribunas e
escritos.

Continuo me perguntando e as respostas ainda não chegam
satisfatórias para a compreensão de tudo o que estamos vivendo nesse
país.

É inexorável pensar que talvez não haja volta àquele passado que,
ainda que não nos traga recordações da justiça e solidariedade que
contemplem os nossos anseios; nos legava a esperança em melhores dias,
às expectativas e perspectivas de que podíamos agir e contribuir com
ações em prol do coletivo e das várias necessidades em suas
especificidades.

Em meus devaneios me pergunto se as lutas que travamos são
inglórias. Mas, que lutas? Podem perguntar alguns. Ora, todas as lutas que
travamos para sobreviver. Desde as mais íntimas às lutas do cotidiano por
uma ordem social justa onde caibam todas as pessoas, criadas simples e
ignorantes, como nos ensinou o mestre lionês, Allan Kardec.

As lutas por um mundo socialmente justo.

As lutas que travamos no dia-a-dia de construções de diálogos, de indignações e manifestos
por políticas públicas que atendam às necessidades básicas de uma
máxima parcela da sociedade que perambula à margem dos direitos a
viver com dignidade.

As expressões dessas lutas se conformaram em meu ser creio que
desde as tenras idades e foram evoluindo com o passar do tempo para a
certeza que os espaços de poder tem cores, nomes e endereços. Os
espaços coletivos plurais aos quais pertencemos e dialogamos são as
fontes que nos alimentam, diariamente, na expectativa do raiar de dias
de muitos sóis para as humanidades.

Não desejo me perder nos devaneios que me tirem os pés do chão,
mas, muitas das vezes, se faz necessário flanar em outras plagas…

Fugir dessa realidade que destrói esperanças e mata corpos femininos, negros,
indígenas, pobres e do campo da esquerda política.

Mas, essa é uma sensação que vem e passa rápido, porque a vida nos chama à
sobrevivência e ao cuidado consigo e com a natureza dos outros seres.

Ah, mas não se envolva com isso, dizem alguns: você não vai mudar
o mundo…

Ah, mas isso não é da sua conta, dizem outros…

Ou: não deixe que os problemas do mundo te afetem a ponto de
você adoecer…

Como assim? Eu me pergunto, sempre… Eu já estou envolvida,
não há como me apartar disso.

Os irmãos e irmãs que tombam, que sofrem, que agonizam, são o meu coletivo, são àqueles e àquelas que em
momentos de dor e necessidade não soltam às mãos.

Sim, choramos, gritamos, escrevemos; encontramos, cada um e
uma, a sua maneira de dizer que não legitimamos essa sociedade
brasileira cruel e vil em que estamos vivendo.

Usar uma camiseta vermelha, colocar um adesivo no carro, celebrar
o aniversário em família, com os motivos de sua opção política de voto;
passou a ser a senha para a violência explícita.

Nem parir com tranquilidade as mulheres podem fazê-lo, sem que
seus corpos não sejam molestados em seus estados de vulnerabilidade.

Brasil, mostra a tua cara, cantou Cazuza… e o Brasil mostrou: a cara
da indiferença, da hostilidade, da hipocrisia, do ódio em todas as suas
expressões.

Não desistiremos de lutar. A luta que para nós é verbo, é parte da
essência de quem tem a justiça social entranhada nas células do corpo de
carne que habita e nas vivências da espiritualidade infinita. Ainda não
perdemos as esperanças nas conquistas do amanhã.

Apesar de todas as dores, desilusões e amarguras com o que está
aí; amanhã há de ser outro dia e nós iremos acordar desse pesadelo.

Avante que a vida urge e os sinais nos apontam que podemos ser
melhores que hoje.

5 respostas

  1. Sua sensibilidade e compromisso social torna seu texto num lamento, porém eivado de Esperança, do verbo esperançar
    , como ensinou Freire! Parabéns!

  2. Que texto belo… toda a sensibilidade exposta… triste, melancólico… real! Viva Cazuza! Que país é esse?

  3. “Os irmãos e irmãs que tombam, que sofrem, que agonizam, são o meu coletivo, são àqueles e àquelas que em
    momentos de dor e necessidade não soltam às mãos.

    Sim, choramos, gritamos, escrevemos; encontramos, cada um e
    uma, a sua maneira de dizer que não legitimamos essa sociedade
    brasileira cruel e vil em que estamos vivendo.”

SOBRE O AUTOR

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