O que vou ser quando crescer?

Rafael Campos – Correio Braziliense

Foto;Reprodução

A forma mais simplória de delimitar a adolescência passa pela idade. A faixa etária, espremida entre os 10 e os 19 anos, na definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), e entre 12 anos e 18 anos, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, é conhecida pelas espinhas, pelos dramas emocionais relacionados à descoberta do sexo, pelas dificuldades de relacionamento com os pais e pela inefável pergunta: o que vou ser quando crescer? É tanta complexidade, que não se pode fazer uma leitura da adolescência apenas pela idade. Até porque a adolescência cresceu — e para os dois lados.

A ciência, agora, foca em pesquisas para tentar entender e retardar a puberdade precoce, que faz com que meninas com 6, 7 anos comecem a desenvolver características de mulher, como pêlos e mamas. Adultos de 25, 27 e até 30 anos seguem na casa dos pais, conservam comportamentos de risco e permanecem inseguros para a assumir a condição de adultos. Nessa métrica cada vez mais extensa, aqueles que, de fato, têm a idade que permite serem adolescentes estão correndo maior perigo. Estudo conduzido por médicos da Universidade de Melbourne, apresentado no primeiro semestre desse ano, mostrou que, independentemente dos avanços médicos e da melhoria na situação financeira das famílias, os jovens são submetidos a riscos antes notados apenas na idade adulta. Um dos principais motivos, de acordo com os pesquisadores, são os programas cada vez mais elaborados de cuidados para a mãe e o bebê, que simplesmente acabam com a infância. Ao chegar à puberdade, essas ex-crianças deixam de receber atenção. Assim, o cigarro, o álcool, o sexo sem segurança, que pode causar não só DSTs, como a gravidez indesejada, se tornaram itens comuns.

Apesar de tudo isso, o adolescente nunca foi tão celebrado. Há muitos deles se esforçando para fugir dos estereótipos e entrar de cabeça, e sem medo, na fase seguinte. Buscam o emprego estável, a boa condição financeira e uma família equilibrada. O modo que escolheram para alcançar essa tríade é o que os diferencia em tribos e grupos. Em meio às gírias, à desajeitada timidez de encarar uma conversa séria e ao furacão de expectativas que os pais criam do que será feito do futuro deles, alguns já mostram ter consciência de que podem fazer da fase adulta algo bem mais interessante do que a maioria imagina.

A porta de entrada

A forma de ser aceito em uma universidade no Brasil, o famigerado vestibular, tornou esse momento um dos ritos de passagem mais importantes — e, por vezes, traumáticos — para a entrada no mundo adulto. Tanto que pais costumam dar um carro ao filho por conta do seu sucesso na empreitada, tamanha é a sensação de que, a partir dali, seu bebê vai se tornar um homem. Porém, até o momento de raspar a cabeça, serão horas de estudo solitário e pressão de todos os lados.

“O vestibular sempre traz uma carga grande de responsabilidade. Criamos uma expectativa de passarmos já de cara, porque estudamos a vida toda focados nisso e com a ideia de que esse momento vai ser decisivo para nos trazer tudo que queremos”, acredita João Boavista, 17 anos. Ele, que sempre estudou em escolas particulares, cobra muito si mesmo. Para o jovem, que tentará o curso de arquitetura, ter tido uma educação de qualidade o deixa, de certa forma, em débito com a família. “Nossos pais gastaram com educação pensando na forma como vamos usá-la para construir algo de bom para as próximas gerações”, explica.

Sem dúvida, a missão de moldar o amanhã é despropositada para alguém tão jovem. “Toda a formação deles vem sendo trabalhada para o momento de escolha da profissão correta. Isso faz com que eles se cobrem muito”, confirma Marli Pinheiro, diretora pedagógica do colégio Sigma. “A parte mais difícil da nossa idade é justamente isso. Há muita carga: você tem que fazer, você tem que ser, você é o futuro, mas a gente nem sabe se o futuro existe. Nós somos o presente. E estamos fazendo o possível para que ele seja o melhor”, acredita Amanda Oliveira, 18 anos, que quer cursar ciência política. Para ela, o peso hercúleo também tem um gosto de dívida. “A gente precisa conseguir se tornar o que queríamos tanto. É a hora de realmente focarmos no que a gente quer para não decepcionarmos o eu de quando éramos crianças”, filosofa.

Mariana Quaresma, 17 anos, prefere definir esse momento de escolha como “inspirador”. “Vivemos uma fase nova. Meu pai diz que, na minha idade, ele já tinha traçado todo seu caminho. Agora, ele mesmo fala que preciso experimentar de tudo antes de decidir, tanto que fiz todos os cursos que tive vontade. O discurso do meu avô era bem diferente.” Para a estudante, o adulto não consegue se enxergar no adolescente porque se sente frustado — uma vez que a sua geração não foi capaz de “salvar o mundo”. Assim, a responsabilidade de tomar decisões que, teoricamente, farão do futuro um lugar melhor — tarefa das mais onerosas, diga-se — é repassada às novas gerações por esses adultos cobrados em excesso quando adolescentes.

“Acho bem errado esses estereótipos da nossa idade. Todo mundo passa o problema para a geração seguinte. Eles se sentiram pressionados porque eram considerados o futuro e, agora, dizem isso de nós”, reclama. No fundo, os jovens sabem que suas expectativas e a de seus pais nem são tão diferentes. “Quero ter família, mulher e filhos, vivenciar essa relação. Mas não tenho nenhum plano. O que espero é me formar, conseguir estabilidade e, aí, pensar em montar esse quadro”, garante João.

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