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O que os espíritas sabem sobre ditadura militar e sofrimento?

Já falei sobre isso e volto a falar: entre todas as experiências que tive em reuniões mediúnicas, uma das mais marcantes vem de uma sequência semanal de comunicações de espíritos vitimados pelas práticas de tortura levadas adiante pelo governo do Brasil, no período reconhecido como ditadura militar.

Eles eram trazidos para conversar comigo, pois naquela mesa o próprio dirigente recusava empatia a tais espíritos, costumando despejar seus próprios juízos de valor sobre a responsabilidade deles mesmos na sorte que os acolhera.

Mas eu os ouvi com sensibilidade, sim. Conhecia a história, acreditava nela e acima de tudo, me solidarizava com os relatos de quem conheceu na carne que um dia vestiu, a tirania máxima da força.

Muitos deles ainda não estavam em paz, apresentavam revolta e descrença, outros em estado de semi-demência se acreditavam ainda presos. A ética e a humanidade doída me impedem de relatar detalhes das torturas que lhes foram impostas, por seres que pareciam humanos, mas eram apenas soldados em uma guerra contra irmãos.

Houve tortura promovida pelo Estado brasileiro, que perseguiu e matou muitas pessoas por causa de escolhas políticas de caráter societário e humanitário, sim! Sou testemunha das comunicações mediúnicas de algumas destas vítimas, sim! E como cidadã brasileira e espírita, não pude jamais coadunar com as políticas de um presidente que louva o maior torturador reconhecido pela história oficial, o coronel Brilhante Ustra.

No entanto, não é apenas o fato do presidente adotar como propaganda da sua política de morte expor um livro sobre Ustra na mesa, que nos leva a esta escrita. Mas as ações que afetam inúmeras famílias – também torturadas – em sua trajetória de luta pelo resgate da memória e direitos de oficializar o óbito de modo a lhes trazer alguma paz.

Em caso diferenciado, mas não menos triste, carrego em minha própria história marcas das dores assessórias que os sistemas acrescentam às famílias de vítimas, em nosso insensível país: quando meu filho foi assassinado no interior de Alagoas, no momento de trasladar o corpo ao IML, alguém nomeou o endereço dele errado, incluindo o município.

Antes mesmo de retirar o corpo do IML eu percebi o erro e questionei. Junto a meu esposo que é jornalista (única razão para termos tido acesso ao chefe daquele órgão) encontramos no mesmo uma frouxa resposta, repassando ao médico legista o poder de escolha, no caso, acatar ou não o nosso pedido de correção.

Jamais esquecerei a frieza daqueles olhos azuis, ribombando um não sobre a minha dilacerada conjuntura de mãe.

Parece tão pouco, mas foi tão grande, pois aquela negação se referia à morte dada a meu filho, um jovem de pele negra que vestiu em seus últimos segundos a representação do pobre alagoano que chega ao IML todos os dias, na condição de marginal.

E ele não era marginal.

Pelo filtro da minha própria dor eu posso sentir o quanto o governo Bolsonaro e a pasta ocupada pela insana Damares, remexem feridas profundas com as decisões tomadas no intuito de cercear e invalidar a luta dos familiares das vítimas do Brasil militarizado.

Conheça a matéria original sobre o tema aqui

Sigo agora, em questionamento aos nossos irmãos do meio espírita que apoiam Bolsonaro: o que vocês conhecem sobre a ditadura militar no Brasil?

Aquilo que seus pais burgueses disseram, sobre um tempo de paz?

O que vocês leram sobre o efeito letal dos Atos Institucionais emitidos pelo país no período dos governos militares?

Como vocês conseguem continuar apoiando a morte de maneira tão escancarada?

Já está na hora de vocês deixarem de repetir frases de efeito e mergulharem na leitura séria, para conhecerem mais sobre a verdadeira história da participação dos militares na sociedade brasileira.

Espírita que não conhece contexto histórico e político do próprio país não está cumprindo a parte do “instruí-vos”, e talvez esta seja a razão do não alcance do “amai-vos” com abrangência humanitária e universal.

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