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O ódio a mulheres plenas vitimou Julieta Hernandez

Com respeito à memória de Julieta Hernandez, e somando ao coro indignado que denuncia a covardia do ato feminicida cometido contra ela, observamos com cuidado alguns aspectos sutis dessa história com desfecho triste e vergonhoso para o Brasil.

Julieta era uma jovem de 38 anos que somava em si inúmeras características peculiares, que aos olhos dos costumes comuns a tornavam diferente.

Sua apresentação biográfica nas redes sociais deixa em exibição o quanto era invulgar: “migrante nômade, bonequeira, palhaça e viajante de bicicleta”.

Por mais que a Venezuela, seu país de origem, seja vizinho do Brasil – o território que a matou, Julieta era “de fora”, falava outro idioma, apresentava trejeitos distintos.

As pessoas diferentes estão correndo risco sempre que a diversidade é tornada ameaça, é abordada com desprezo.

Ser venezuelano e estar viajando de bicicleta pelo Brasil pode significar que está carregando inúmeros preconceitos junto a si, todos criados e elencados pela cegueira política manipuladora, que tem a capacidade de ferir a humanidade de povos distintos, no momento de declínio humanitário que caracteriza ideologias perversas.

Quanto mais entranhado o Brasil, maior o sucesso das empreitadas ideológicas preconceituosas.

Uma mulher que rompe com padrões e se torna andarilha “bonequeira”, levando o riso como elemento próprio no enfrentamento do mal estar global, manifesta afronta ao tradicional, e as mentalidades pérfidas traduzem o desejo da domesticação em atos de violência como estupro e morte. A estrutura do pensamento é autoritária, patriarcal, e ilustra o mando quando avança para tirar dessa mulher o instrumento que a faz pública, viva em contornos globais, o seu aparelho celular.

Não foi apenas roubo, não foi apenas desejo carnal, foi hediondez patriarcal, criminosa e voraz, a raiz do feminicídio distribuída em minúcias.

Mulher não “pode” ser feliz “sem dono”.

Ser palhaça, fazer brotar sorrisos sem lascívia, sem obediência, sem coleiras, é proibido na prática.

Há 4 anos pelas estradas do Brasil encantando crianças, alegrando mais de dez mil seguidores virtuais, a alegre e firme Julieta aportou no lar da infelicidade onde também residem cinco crianças, filhos dos assassinos que lhe emboscaram nas paredes da própria residência, em Presidente Figueiredo no estado do Amazonas.

Estava indo para casa, já estava perto. Hospedou-se. Na véspera do Natal de 2023 já não fazia contato com mais ninguém. No início de 2024 seu corpo foi encontrado, como prova da barbárie movida a roubo e ciúme no contorno aparente do fenômeno.

38 anos de movimento. Encerrados com brutalidade ímpar.

“Minha casa é o movimento”, afirmava nas redes. E apenas na espiritualidade poderá movimentar-se agora, pois seu corpo de mulher plena foi maculado, enterrado com a possibilidade de ainda estar viva durante este ato hediondo.

A justiça por Julieta não se encerrará com a prisão e condenação dos assassinos, um homem e uma mulher.

Este tipo de justiça pede senso de coletividade por todas as vítimas do feminicídio no mundo, orientando a uma prática de vida que combata as raízes deste tipo de crime.

O feminicídio é um crime que se enrosca no autoritarismo, no controle dos corpos femininos, na sanha de domesticação da mulher e contenção de suas potencialidades.

Fazer justiça é lutar por uma sociedade que respeite o diferente, as diversidades de seres que fogem dos padrões e papéis sociais para existirem como são, da forma que lhes convém; tantas vezes sendo graciosos e felizes, distribuidores de felicidade.

Sentimos muito Julieta, nosso país veste a vergonha do alto índice de violência contra mulheres e desfechos feminicidas, mas nós lutamos contra isso.

Que teus movimentos na espiritualidade sejam recompostos na essência eterna.

 

 

 

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