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O mundo obscuro da multiplicidade de perspectivas

Nunca se falou tanto em vazio, mesmo que pretensamente busquemos acreditar em uma era que aparentemente podemos ter tudo e ser tudo. Nunca fomos tão amistosos e cordiais com a realidade social e política como estamos vivendo hoje. O que acontece quando as perspectivas de mundo se multiplicam e as formas de viver se estendem de uma forma tão aguda que aparentemente tudo pode?

Analisar os fenômenos humanos no contemporâneo carece de tempo, de leitura e muita reflexão. A confluência dos fenômenos que acontecem de modo simultâneo e de maneira global influenciam nossa experiência da vida e nossa percepção das coisas. A aparente normalidade como as coisas no mundo da política e das relações sociais têm se desenrolado é encarada por alguns com inquietude e para outros com aceitação e silêncio.

De uma forma ou de outra estamos tentando sobreviver, subjetivamente, aos constantes apelos ao distanciamento dos outros e do campo da política. A dor da existência parece pesar mais que o habitual, pois no fundo reconhecemos que tudo mudou e algo em nosso interior ressoa como se estivéssemos por um fio; até a mãe natureza tem nos virado as costas. E o que é pior? Sabemos o por que.

Estamos sempre em crise, parece que o mundo está de ponta cabeça. Sabemos e compreendemos as crises humanitárias, as crises ambientais, as crises econômicas e as crises políticas. Vivemos, no entanto, muitas outras crises: a crise no transporte público, a crise na educação, na saúde e na segurança, é crise nas relações interpessoais, no campo da cultura e no mundo do trabalho. Será que nos sobra tempo para termos ao menos um crise de ansiedade? Não! Há pílulas e novos repertórios cognitivos e comportamentais para a regulação das crises íntimas, essas são inadmissíveis, mesmo que tudo ao nosso redor exale e esteja em crise.

Viver em um mundo de crises exige que percebamos novos caminhos em meio aos escombros e a penumbra do céu da distopia pós-moderna. Os sucessos recentes dos filmes e livros que retratam uma projeção pouco positiva do futuro demonstram que algo em nós percebe que por onde caminhamos não herdaremos bons frutos e que a qualquer momento outra barragem de lama cairá sobre nós e levará nossos entes queridos sem dó nem piedade, ou que talvez o bairro em que moramos esteja prestes a afundar no escuro barroso da ganância.

O terror das incertezas fomenta a crise das relações entre as pessoas. Nos sobra apenas a rotina como uma certeza e nos apegamos a ela como se fosse uma única gota de água num grande deserto. Quando não temos nem isso para nos consolar queremos ser “conservadores nos costumes”, dizer que menino veste azul e menina veste rosa e que precisamos alimentar o endurecimento contra pessoas que se considere indignas de liberdade. Mas quem é livre nesse mundo?!

As perspectivas têm aterrorizado os olhos comuns, daqueles que vivem para o trabalho, daqueles que vivem no calor dos ônibus, na fila dos caixas e das lotéricas. Ou o mundo se simplifica e se reduz a explicações rasas e pouco rigorosas ou simplesmente deixa de existir como uma totalidade de sentidos, pois pensa-lo tem se tornado cada vez mais complexo, acompanhar o ritmo dos acontecimentos é difícil quando sofremos a interferência do falseamento e empobrecimento das notícias. Quais as perspectivas que nós temos quando a verdade deixa de organizar a trajetória da sujetividade para dar sentido ao mundo? Hoje a pós-verdade cria um mundo múltiplo, onde os perigos das escolhas, das vontades e dos desejos correm livremente, jogando sobre nós o horror e o obscurantismo.

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