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O medo cotidiano

Podemos pensar no medo como uma mecanismo biológico que nos direciona à segurança, ao conforto e sobrevivência. Existem variadas formas de medo e alguns medos que enfrentamos na vida são necessários ao nosso desenvolvimento, para que elaboremos nossas habilidades e atitudes mais assertivas. Contudo, nos espaços sociais o medo se torna objeto manipulação. Ora, manipulamos o medo e assim manipulamos o ódio.

O medo, assim como algo que nos protege do perigo, têm desdobramento na nossa percepção da alteridade. Na cidade que vivemos o medo se expressa de muitas formas, se constitui como dispositivo social de segregação, distanciamentos e articulador de discursos que promovem comportamentos que se transformam em ódio e violência.

A lógica de manipulação do medo nos coloca de frente a crueza da vida humana. Necessitamos de conforto, certezas, algo que nos ampare em momentos difíceis. Em tempos de instabilidade somos movidos pelo medo para aquilo que compreendemos como nosso espaço de conforto. Sob influência do medo nos tornamos mais sugestivos, mais passivos, menos críticos. Somos movidos por uma necessidade bastante imediata para nos darmos ao luxo de pensar. Cristalizamos nossas certezas, sejam verdadeiras ou não, para fins de satisfazermos nossa necessidade imediata de resposta para tal aflição. Assim acontece de ignorarmos que os processos humanos são muito mais complexos que taxar grupos sociais, movimentos e comunidades como o mal ou o bem.

Medo, mídia e relações humanas

A manipulação dos afetos por parte da mídia nos torna mais sugestionáveis. Há a formação de um discurso de caos, de eterno comprometimento de todas as instituições, a afirmação da periculosidade constante dos ambientes públicos, programas de TV que repetem por horas o mesmo acontecimento catastrófico ou crimes cruéis detalhadamente. A partir disso, o medo entra em cena. As informações postas goela a baixo pelos meios de comunicação e pelas redes sociais nos contaminam com angústia e ansiedade constantes e em alguns instantes temos a certeza: estou correndo perigo, minha família está correndo perigo. Surge daí a lógica do “ou eu ou eles”.

Certamente é compreensível que pensemos rapidamente essa lógica e não estou aqui para julgá-la se é correta ou não. Mas é interessante pensarmos se não é ingênuo supor que existem você e eles apenas. Talvez entre ambos haja uma grande fenda, onde perpassam forças sociais e políticas, histórias, vivências e contextos diversos.

Temos uma tendência a suprimir a complexidade e condensar as notícias, precisamos ser práticos no nosso dia a dia e uma notícia ou texto longo, detalhado, não mantém nossa atenção. A lógica do condensamento também se expressa nas relações humanas quando a partir das redes sociais temos a facilidade de contactar quem quer que seja com apenas um click. Nada de ir até a casa de uma amiga e conversar por algumas horas, não temos esse tempo. Condensamos os encontros, facilitamos, tornamos práticas as relações que são complexas em sua natureza. Não há relação humana que seja fácil, logo é exigido de nós pensar na complexidade do outro e de si.

A importância da diversidade

De fato o mundo comporta uma grande quantidade de pessoas, de contextos, culturas e histórias. Mas será que paramos para ouví-las? O medo na cidade está em toda parte. Vivemos em um contexto de incerteza e isso nos aterroriza. De certo, é compreensível, mas não podemos justificar com o medo nossa negligência, nossa austeridade ao outro e nossa falta de empatia.

Nossa sociedade abarca diferentes grupos e comunidades e não conhecemos suas histórias, não conhecemos a diferentes vozes e os diferentes retratos da humanidade em cada parte do nosso território. Não há como compreender os diferentes comportamentos sem repararmos os contextos, as influências, os modelos e as forças que atuam na formação humana em cada local. Nos ater a constante periculosidade do outro nos impede de verdadeiros encontros, diálogos e perspectivas diversas. Perceber o outro é o primeiro passo. O segundo? Vencer o medo.

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