O Legado de Allan Kardec

Fernando Caldas

Imagine-se lançado de repente em meio a fenômenos insólitos, onde movimentos de objetos, sons e explosões o rodeassem, sem que fosse possível ver-lhes a origem… natural seria àquele que vivesse tal experiência, sentir a surpresa e ver-se acometido por algum ou muito temor, a depender da natureza emocional do expectador.

Foi assim que certamente se sentiu a família Fox, de orientação metodista, nos idos de 1848, quando em sua residência se iniciaram as ocorrências acima propostas à imaginação do leitor. Pancadas, arranhões, tremores nas camas… investigações do Sr John, da Sra Margareth e da vizinhança não descobriram quaisquer elementos materiais que pudessem esclarecer os fatos. Após a ocorrência de uma explosão, a pequena Catherine, de 11 anos(sua irmã, Margareth, tinha 14 anos), desafiou a “força” a repetir os estalos feitos com os dedos, obtendo resposta satisfatória, havendo, com o fluir dos eventos, a identificação do autor dos “malassombros”: Charles B. Rosma, mascate assassinado naquela residência, para lhe roubarem cerca de 500 dólares, dando informações precisas acerca dos acontecimentos.

Ganhando o planeta, os fenômenos aportaram em Paris, chamada “Cidade-Luz”, não apenas pela sua iluminação, mas também por ser o centro cultural do mundo de então. Ali também vivia o professor Hypollite Leon Denizard Rivail, emérito pedagogo, discípulo de Pestalozzi e tradutor de várias obras do francês para o alemão e com livros adotados pela Sorbonne. Cultura polimática, excursionou também pelos meandros do magnetismo humano, ciência que o levou a se interessar pelos fenômenos das chamadas “mesas girantes”. Cético, a princípio, foi pelas observações e acuradas pesquisas, com diversos sensitivos, submetendo-os a criteriosos julgamentos, que concluiu serem os fatos provocados por homens que já não possuíam corpo material, ou seja, espíritos desencarnados. Partiu da premissa que, se todo efeito possui uma causa, todo efeito inteligente provém de causa inteligente. Utilizando comunicações obtidas de diversos médiuns, de diversas localidades do planeta, organizou o Espiritismo, criando uma nomenclatura própria e legando ao mundo a chamada Codificação Kardeciana, indo para além de um simples compilador, mas contribuindo como um pensador ilustre.

Assume desde então, o pseudônimo de Allan Kardec, cujo intuito foi ocultar o seu nome bem conhecido nos meios culturais e acadêmicos, evitando que as pessoas fossem influenciadas pelo peso do mesmo.

Seu legado consiste em haver trazido para a humanidade o conhecimento do Mundo Espiritual, até então envolto nas sombras do sobrenatural e nos tabus das religiões tradicionais; ter mostrado para a humanidade que não somos apenas matéria mas dotados de um espírito que sobrevive à morte; elucidando que o destino após o transpasse dependerá sempre das atitudes pessoais durante a vida física; mostrando um Deus-criador incriado, plena justiça e pleno amor, nunca voltado à condenação eterna dos seus filhos; oportunizando o conhecimento das vidas sucessivas (reencarnação), através das quais nos redimimos, mediante longos processos nunca punitivos, sempre educativos; divisando na infinita abóbada celeste, mundos diversos, onde humanidades quais a nossa, evoluem na busca incessante de Deus; indicando, enfim, que o bem deve ser a essência dos que procuram evoluir, inclinando para a solidariedade e o amor, tão solidamente estranhados nos ensinos magistrais do Evangelho de Jesus.

Quando se comemora a passagem dos 219 anos do nascimento de Allan Kardec, sabiamente denominado pelo astrônomo francês Camille Flammarion de “o bom senso encarnado”, nossa singela homenagem como gratidão por me ajudar a ser o que sou.

Maceió, 03 de outubro de 2023.
Fernando Silva Caldas.

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