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O excesso narcísico e a escassez personalizada

Existe uma vida cheia de possibilidades, é verdade. Mas quais as nossas potencialidades para somar atributos a tudo isso? O que buscar quando tudo é possível?

Recebemos a imensa responsabilidade de se compor enquanto personalidade no meio de um turbilhão de experiências que sobrecarregam nossa capacidade de elaboração do mundo. O que existe de mais incrível e mais horrendo em tudo que temos acessível na atualidade é a afirmação da personalidade como um fetiche, um autoamor regulado por algo de excesso e algo de escassez.

O excesso desenha os lugares por onde circulam a energia vital do impulso e do desejo. Um sopro de luminosidade que viabiliza o surpreender-se com o mundo, o encantamento com os bonanças do consumo, com o prazer da compra e de viver a vida da forma que quer, do jeito que quer, cheios de opiniões sobre tudo; teorias pessoais sobre o mundo, cheias de individualizações supérfluas.

A intensidade em demasia burla os sentidos, distorce a realidade e explode em consequências difíceis. A ideologia do empreendedor submete os indivíduos ao excesso que justifica o bem estar futuro, que não reconhece a humanidade tal como ela é: cheia de contradições e dificuldades que não representam apenas nossas imperfeições ou retrocessos, mas nossa realidade, nossa configuração intrínseca.

A imensa quantidade de informação, o sentimento de impotência diante de um mundo complexo e com tecidos sociais e políticos muito maiores do que nossos olhos podem ver, abrem margem para um encantamento de uma “vida-shopping”, marcada pelo uso da tecnologia para autoafirmação, interação social, relacionamentos e exposição de sonhos.

Todas as lojas nos prometem a felicidade e esse excesso de promessas nos esvazia, nos relega um campo simbólico fadado a regressões infantis e surtos de intolerância à frustração. Queremos acreditar que nossos sonhos só dependem de nós mesmos para serem alcançados e que realmente podemos, se quisermos “ser alguém na vida” e essa promessa também nos aliena, colocando apenas sobre nós mesmos a responsabilidade de ser feliz, quando na realidade não estamos ausentes dos acontecimentos do mundo, tudo isso nos afeta, mesmo que tentemos pintar a vida como algo imensamente simplório, vendo tudo de maneira seletiva e conveniente.

Tudo isso nos leva ao outro extremo da “vida-shopping” de hoje: a profunda escassez de sentido, a falta de referências simbólicas para o aporte da nossa realidade social. Individualizamos os sentidos, recorremos às teorias pessoais disfarçadas de “minha opinião” pois algo na narrativa que sustentava o eixo simbólico comum da sociedade moderna se esfacelou na pós-modernidade. Hoje a Terra é plana e o sol gira em torno dela, aquecimento global é uma invenção e estamos a beira de uma nova ordem mundial comunista.

Mais a diante o que veremos? Quem somos nós diante de tantas possibilidades?

O pós-moderno é paradoxal, com rodeios e malabarismos mentais que só os dessa época sentem na pele as estações assimétrica de climas variados do contemporâneo. Nesse movimento de translação tudo muda muito rápido e os altos e baixos emocionais são inevitáveis.

No entanto, nem tudo está perdido, podemos fazer das possibilidades aquilo que nos acalma em relação ao agora, pois tudo o que podemos ver e tocar será, aqui e hoje, o que nos pertence enquanto seres existenciais. Construir os caminhos da humanidade é a tarefa comum de todas as épocas e tempos históricos. As lutas de hoje comporão o compilado de experiências que serão utilizados pelas próximas gerações.

Que esse alívio e sensação de continuidade enriqueça nossa esperança de dias melhores.

2 respostas

  1. Em relação ao comunismo, foi em cheio.
    Toda agenda política mundial hj segue uma tendência esquerdista, quando não, esquerdopata, que no fim nem tem tantas diferenças.

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