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O dilema da Psicologia Brasileira: encontro ou fuga?

Hoje as redes sociais fazem parte do nosso cotidiano de forma intensa e por estarmos o tempo inteiro nos comunicando e compartilhando posicionamentos elas oferecem dados sobre nós e como estamos nos sentindo e pensando a respeito de acontecimentos marcantes, como por exemplo, a atual pandemia.

Cientistas do Instituto de Psicologia da Academia de Ciências Chinesa, em Pequim, publicaram em março desse ano, na Revista Internacional de Pesquisa Ambiental e Saúde Pública, um estudo sobre as consequências psicológicas da declaração epidêmica da COVID-19 em usuários de uma rede social chinesa chamada Weibo.

Eles procuraram entender como esta notícia impactou os usuários em termos emocionais e cognitivos e para isso monitoraram indicadores de emoções negativas e positivas e indicadores cognitivos como percepção do risco social e satisfação com a vida.

O procedimento envolveu a análise de palavras e frases dos usuários antes e depois da declaração de epidemia. Em seguida eram feitos cálculos da frequência em que as palavras eram utilizadas e de acordo com escalas e inventários padronizados eram vistos os indicadores emocionais e cognitivos, podendo assim, compará-los.

O que eles observaram foi que houve um aumento na preocupação com a saúde e com a família e uma diminuição no interesse em lazer.

A atividade no Weibo então se tornou um local de redução do sentimento de mal estar psicológico gerado pela incerteza e pela insegurança. Esta redução no interesse pelo lazer esteve ligada a restrição de viagens e regulamentos de isolamento social reforçados por autoridades e governo central na China.

Temas como morte e religião cresceram após a notícia da epidemia e a prevalência da frase “Deus abençoe a China” foi observada. De acordo com este estudo, as pessoas tenderam a mostrar mais emoções negativas (ansiedade e depressão) e menos positivas.

Houve um aumento da percepção do risco social, visto que a emaça invisível e incerta que configura a contaminação por um vírus desperta avaliações cognitivas negativas. O nível de satisfação com a vida diminui, já que a quarentena implica restrições e mudança radical de hábitos.

Para fornecer subsídios ao atendimento à população este trabalho sugere a diminuição do senso de ameaça portando informações sobre a evolução das estratégias tomadas pelos órgãos responsáveis e a divulgação dos resultados. Recomenda-se portar informações científicas confiáveis em práticas de aconselhamento e orientação.

Não perde de vista, no entanto, a inter/multidisciplinariedade na tomada de decisão e ação conjunta como psiquiatras, assistentes sociais e psicólogos pondo em prática as estratégias de enfrentamento ao impacto da epidemia.

Algumas considerações sobre o caso brasileiro

O Governo chinês tem demonstrado grande habilidade ao lidar com a crise psicossocial desencadeada pela epidemia de COVID-19. O papel de Estado na ação preocupada com o bem-estar psicossocial da população é demonstrado no número de publicações a respeito da epidemia e sobre saúde pública dando o devido respeito a saúde mental.

As contradições políticas e econômicas e os interesses ideológicos e geopolíticos imbricados na postura do Brasil com a saúde pública e a assistência a população não só retardam, mas impedem e destroem a mínima possibilidade de acompanhamento e subsídios a saúde pública.

As orientações do Conselho Federal de Psicologia e os auxílios dados pelos sistemas de Conselhos não são o suficiente no caso brasileiro. O distúrbio no sistema de atenção psicossocial é reflexo da política estruturalmente anti-povo do universo político do nosso país.

O pacto social em torno da democracia liberal-burguesa encontra debilidades que fundamentam um sistema sociopolítico e econômico chamado “capitalismo dependente” e esta categoria deve atravessar qualquer análise ou estudo da saúde pública do Brasil e a disponibilidade de recursos ao povo.

O comportamento social nas redes inclui inúmeras variáveis já que a partir das eleições presidenciais de 2014 até o presente momento a internet é a arena política que possibilitou um golpe de Estado no Brasil em 2016 e a mudança radical na conjuntura política devido ao impulsionamento de notícias falsas e um trabalho ideológico a partir da desinformação e posturas anticientíficas.

O posicionamento do governo brasileiro interrompe um ciclo de conquistas sociais ao longo de décadas e que, no entanto, coloca todos os serviços de saúde, incluindo a saúde mental, no caminho do desmonte e da ineficiência. Sendo assim, a população segue vulnerável e fatores de risco se aglutinam para o aumento do sofrimento psíquico a curto e longo prazo.

A Psicologia Brasileira está em um impasse: ou encontra este dilema ou o ignora.

Saiba mais: 

Li, S. et al. The Impact of COVID-19 Epidemic Declaration on Psychological Consequences: A Study on Active Weibo Users. International Journal of Environmental Research and Public Health, vol 17, 2020. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32204411/>.

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