Por Maurício Sarmento
Meu nome é Maurício Sarmento da Silva, tenho 46 anos e sou servidor público. Sou casado, filho de João Sarmento da Silva e Célia Martiliano dos Santos, e moro em Bebedouro, na localidade conhecida como Flexais.
Flexais, hoje resumida a duas ruas – Tobias Barreto e Faustino Silveira – outrora contava com outras vias como Rua Santo Amaro (Beira Rio), Carteiro João Firmino e Sargento Ozeias Costa. Este bairro não era um simples bairro-dormitório; tinha uma vida pulsante e ativa. A proximidade da Rua Cônego Costa, centro econômico de Bebedouro, fazia de Flexais um lugar de intensa movimentação.
Historicamente, Flexais era a rota dos tropeiros que passavam por Maceió. Ali, na margem do Riacho do Silva, eles banhavam, alimentavam e saciavam a sede de seus animais. Foi também lar de figuras ilustres, como Nise da Silveira, referência em psiquiatria humanizada, e seu tio, Major Bonifácio da Silveira, amante fervoroso das festividades locais. Outros residentes notáveis, porém menos conhecidos fora da comunidade, incluíam a marisqueira Didi, os pescadores Jaragoga, Zé Bobo e Tonho Bujão, além dos comerciantes Rogildo (do Bar do Rogildo), Major Alonso e Maro Tatu.
Na venda do Major Alonso, encontrávamos um refúgio para longas conversas e debates sobre a política local, sempre acompanhados de uma cerveja e partidas de dominó. Lá, também celebrávamos a vida em comum, com futebol e festas. Times locais como o Tobias Barreto e o Seca Poço acendiam nossas paixões esportivas, especialmente sob a liderança do amigo Cícero Ozete.
O Parque da Lagoa, hoje um centro de esporte e lazer, era antigamente o sítio da Dona Norma, um lugar atraente para a juventude pelas frutas que lá cresciam. Nossas travessuras incluíam banhos no Bicame, corridas de jangada na lagoa e festas juninas e carnavalescas que uniam a comunidade. No dia de São Pedro, realizávamos um cortejo marítimo pela Lagoa Mundaú, um evento que simbolizava nossa conexão com a cultura local.
Essas memórias afetivas, tão vívidas e queridas, motivaram minha decisão de permanecer em Flexais quando comprei minha casa há 15 anos, financiada pela Caixa. Escolhi esse lugar por tudo o que ele significava para mim e para minha família.
Contudo, em 3 de março de 2018, nossa vida mudou drasticamente. Os primeiros tremores transformaram nosso bairro em um cenário de desolação. Hoje, para chegar à parte habitada de Flexais, temos que atravessar áreas de risco e escombros. A vitalidade que descrevi está completamente destruída. O Rogildo se foi, assim como Cícero Ozete e Major Alonso, cuja memória agora reside em outro plano. A Capela de São Pedro Pescador foi demolida, e os pescadores desapareceram. A conexão com a cidade está perdida; as casas estão rachadas e as ruas alagadas, sofrendo as mesmas patologias das áreas já desocupadas. Demolições sem critério técnico só trouxeram mais transtornos, afetando a segurança e a mobilidade.
A triste realidade é que, com a homologação das autoridades do MPF, DPU e MP/AL, os moradores de Flexais receberam uma mísera indenização de 25 mil reais por núcleo familiar, uma compensação que mal cobre o passado, o presente e o futuro. Hoje, nossa vida saudável desapareceu, e qualquer conversa na mesa de jantar inevitavelmente gira em torno do crime da Braskem, o responsável por transformar nosso lar em um lugar de terror sem fim.
Mas não nos resignamos. A comunidade de Flexais se uniu em uma luta incessante por indenizações justas, que nos permitam reconstruir nossas vidas em outros lugares. Organizamos protestos, buscamos apoio jurídico e mobilizamos a opinião pública. Nossa batalha é por reconhecimento e dignidade, para que possamos superar essa tragédia e retomar nossas vidas em um ambiente seguro e saudável.
Este é o depoimento que a CPI não ouviu, mas que precisava ser escutado. É a voz de uma comunidade que perdeu seu chão, suas memórias e seu futuro, mas que luta incansavelmente para reconquistar a dignidade e a esperança.