Nova Assembleia toma posse na Venezuela com maioria da oposição

G1

A oposição venezuelana assumiu nesta terça-feira (5) o controle da Assembleia Nacional pela primeira vez em 16 anos, estabelecendo uma disputa de poder com o presidente Nicolás Maduroem meio a uma grave crise econômica.

O novo presidente da Assembleia Nacional, Henry Ramos Allup, recebeu o apoio de 109 deputados da coalizão de oposição Mesa de Unidade Democrática MUD (centro-direita) e foi o primeiro a prestar juramento, seguido do vice-presidente Enrique Márquez e do segundo vice-presidente Simón Calzadilla. Em seguida, os novos deputados também prestaram juramento.

“Juro cumprir bem e fielmente a Constituição e as leis da República e todos os deveres e obrigações inerentes ao cargo”, afirmou Allup, um advogado de 72 anos e ferrenho opositor do chavismo, no púlpito da Câmara.

No início da sessão parlamentar, o deputado chavista Pedro Carreño, da comissão encarregada da transferência de poder, anunciou que 163 credenciais dos novos deputados foram aceitas. No total, deveriam assumir 167 deputados, mas a Suprema Corte determinou que três deputados oposicionistas e um chavista não podem assumir os cargos porque suas vitórias eleitorais enfrentam contestações judiciais.

Já que a posse dos três oposicionistas não foi aceita, a MUD perde, pelo menos provisoriamente, a maioria qualificada de dois terços (112 de 167 cadeiras) conquistada nas urnas no dia 6 de dezembro. O Partido Socialista Unido (PSUV), que teve o controle do Parlamento durante 16 anos, conquistou 55 cadeiras.

Antes do juramento, o presidente do Parlamento em fim de mandato, Diosdado Cabello, alertou que qualquer ato aprovado com os votos dos dirigentes impugnados seria ilegal.

Acusações
No início da sessão, os deputados oficialistas e oposicionistas fizeram discursos rápidos de cerca de 5 minutos, em que trocaram acusações. Os oposicionistas defendem a anistia aos presos políticos na Venezuela.

Enquanto as credenciais ainda eram revisadas pela comissão, um grupo de simpatizante da oposição gritava: “Leopoldo amigo, o povo está contigo”, referindo-se a Leopoldo López, líder da oposição preso que foi condenado a quase 14 anos de prisão por promover a violência nos protestos contra o governo do presidente Nicolás Maduro, em 2014. Sua mulher, Lilian Tintori segurava um cartaz em que pedia anistia aos presos políticos.

Também estavam presentes na Assembleia Mitzy Capriles e Patricia Gutiérrez, mulheres dos líderes opositores presos Antonio Ledezma e Daniel Ceballos, além de prefeitos e governadores da oposição, como Henrique Capriles. Ainda assistiram à cerimônia o ex-presidente colombiano Andrés Pastrana e o presidente do Senado mexicano, Roberto Gil Zuarth, convidados da MUD.

Durante a cerimônia, Allup conduziu a votação do secretário e sub-secretário da Assembleia e em seguida deu direto de palavra a alguns deputados da oposição. O opositor Julio Borges começou a falar quando os ânimos se acirram, e a bancada chavista se retirou da cerimônia como um ato de protesto contra o que denunciaram ser uma violação das regras da sessão. Segundo o deputado oficialista Diosdado Cabello, a cerimônia deveria se restringir à instauração do Congresso e não seria permitido o direito de palavra a deputados.

Em sua fala, Borges defendeu anistia ao presos como parte da agenda da oposição. “Em primeiro lugar uma lei de anistia e reconciliação para que não haja exilados, nem processados, nem presos políticos, para que ninguém seja preso por pensar diferente na Venezuela”, disse.

A MUD já havia anunciado como primeiro ato legislativo a aprovação de uma anistia para aproximadamente 80 pessoas.

Horas antes da cerimônia de posse, Nicolás Maduro, por meio de decreto publicado nesta terça no Diário Oficial, retirou os poderes da Assembleia Nacional sobre a nomeação dos diretores do Banco Central nacional. O decreto permite que o Executivo tenha o direito exclusivo de nomear o presidente e os seis diretores que integram as autoridades do banco.

Maduro considera apresentar, em breve, um “plano de emergência” para a reativação econômica e disse esperar que a maioria opositora não o “sabote”.

Clima nas ruas
A região central de Caracas amanheceu com a segurança reforçada nesta terça, de acordo com a imprensa local. Detectores de metal foram instalados pela Guarda Nacional e pela Polícia Nacional nos arredores da sede do poder legislativo.

Estações de metrô das linhas 1 e 4 foram fechadas. O jornal NTN24 Venezuela informou no Twitter que um piquete estava impedindo o acesso de deputados da oposição à assembleia.

Grupos de ativistas ligados ao chavismo e à oposição se concentraram desde as primeiras horas da manhã no centro de Caracas para acompanhar os deputados na posse de seus cargos.

De acordo com a emissora NTN24, três jovens foram agredidos nas proximidades da Assembleia. Ainda de acordo com a TV, houve enfrentamento entre a Guarda Nacional Bolivariana e seguidores da oposição que foram convocados a acompanhar deputados eleitos no caminho até a Assembleia.

Uma crise, dois modelos
A governabilidade e a tranquilidade do país dependerá da maneira como o chavismo vai superar sua derrota, e a oposição administrará sua maioria legislativa e divisões internas, afirmou o economista Luis Vicente León. Segundo ele, disso também dependerá se a crise vai se aprofundar, ou se começará a se resolver em 2016.

O país com as maiores reservas de petróleo do mundo sofre com a queda dos preços da commodity – fonte do 96% de suas divisas – um déficit fiscal de 20% do PIB, 200% de inflação, severa escassez de alimentos e uma contração econômica de 6% em 2015, segundo cálculos de institutos privados.

Esgotados das filas para comprar comida e da insegurança crescente no país, os venezuelanos estão na expectativa, alguns com esperança, e outros, pessimistas, diante da confrontação vista nas últimas semanas.

Para a oposição, hoje começa “a mudança”. Para Maduro, é o início da luta de dois modelos: o “do povo, que quer preservar as conquistas sociais da revolução” e “o neoliberal da burguesia, que quer privatizar tudo”.

 

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