Nódoas de um tempo

 Renato Ferraz- Correio Braziliense

Não, não há provas de que o hoje papa Francisco, quando comandava os jesuítas na Argentina, tenha sido alcaguete de dois padres da companhia aos carrascos da ditadura militar. Porém, temos dois fatos: jesuítas e outros jovens religiosos latinos sonhadores efetivamente se calaram por ordens de lideranças como Bergoglio; e Francisco Jalics e Orlandio Yorio foram presos, torturados e acabaram sendo expulsos num desses espirros da ditadura mais violenta da América Latina. Mas a história, mesmo que ainda sendo escrita, já o nodoa. A omissão e a covardia, não esqueçamos jamais, são ações tão repugnantes quanto o próprio crime em si. A foto de Begoglio dando a hóstia sagrada ao sanguinário general Jorge Videla, ditador que torturou e assassinou opositores, é repulsiva.

Mas, por enquanto, é só. Avaliando-se as demais variantes, a escolha de Jorge Berglogio é alvissareira. Ele defende, por exemplo, o fim ou a redução da desigualdade social — embora, como papa, precise de um gesto mais impactante para reforçar essa linha de postura (dispensar carro para andar duas quadras é bobagem). Também já disse que a injusta distribuição de renda persiste, criando uma situação de “pecado social que clama aos céus” e que “limita as possibilidades de uma vida”. Perfeito. Atacou padres que se negam a batizar crianças nascidas fora do casamento, por exemplo. E, por fim, deve mandar bispos e padres para as ruas — embora ressaltando que “acidentes acontecem, e que é ainda assim é melhor que ficarem enclausurados”.

Louva-se, nesse momento, seu lado intelectual: “formação sólida”, na Itália e na Alemanha, o que o ajudaria na condução dos “pobres”. Mas isso é uma, digamos assim, digressão antiga do status quo: nem sempre o sábio é sabido para comandar um “rebanho”. Reforça-se a estúpida convicção de que os povos do resto do mundo precisam de um europeu (ou lá “preparado”) para levá-los ao sucesso, às vitórias.

De qualquer forma, esse humilde devoto deseja-lhe muito êxito, mas reza para que não aconteça o que sempre alertou o estudioso búlgaro-germânico Elias Canetti: “O sucesso só ouve o aplauso. Para tudo o resto é surdo”.

.