Nem todos são “gente como a gente”

 José Enaldo da Silva Júnior- Advogado- [email protected]

O marketing forçado e segregacionista trazido a baila por um clip produzido e financiado por uma barraca da orla de Maceió escancara visceralmente o modo de vida jovem da terra dos marechais e exacerba o dilema moral ainda implícito sob a névoa do conservacionismo.

Com personagens rasos – a exceção dos artistas vocais – o clip traz uma propaganda nitidamente direcionada apenas para algumas classes sociais, procurando através do ariano padrão de beleza divulgar uma Maceió contida num pequeno trecho de terra praiana, dignos do mais puro contexto utilitarista.

Em tal prisma, não existem os guetos periféricos e nem sequer os zumbis mortificados vitimas do crack. Em conotação mimetista, o produto é o que se quer vender: Uma capital rica, racialmente europeia, de gente bem alimentada e “prafrentex”.

Segregante e estereotipada, a mensagem trazida é a de que a população miscigenada e negra fora exclusa da produção por tratar-se de minoria local; o que resultou numa aberta critica em mídias sociais, polarizando-se entre os que defendem o lifestile consistente no #lopanear e os que o criticam duramente.

A vida em sociedade, se estas são democráticas, por certo é prenha de divergências entre pessoas. Eis que surgem o certo e o errado, a justiça e a injustiça. Eleições são vencidas ou perdidas com base em tais divergências. Dada a paixão com que debatemos as questões morais podemos ser tentados a aceitar que nossas convicções morais estejam para sempre cunhadas em nós pela maneira em que fomos criados, ou pelo que acreditamos, transcendendo a razão. E nesse ponto, as guerras culturais e a sua diversidade seriam inconcebíveis.

Quando exibe a sua pior face – a de exclusão social – nossa autopolitica se aproxima do que mais deveríamos ser avessos: A pratica da desigualdade e do apertheid redefinido sobre os trópicos, sobre o céu e sal de Maceió.
Vale a pena trazer a baila a Estória da Cidade da Felicidade, remontada a um conto da escritora norte americana Ursula Le Guin (“The Ones Who Walked Away from Omelas”). Trata-se de uma cidade chamada Omelas, onde há apenas felicidade e plenitude, sem pobreza e sem miséria. Conta no livro que em um porão sob um dos belos prédios da cidade, ou quem sabe em uma das adegas das espaçosas residências particulares, existe um quarto, com uma porta trancada e sem janelas. Dentro este quarto existe uma criança magra, abandonada, suja e portadora de deficiência.

Todos sabem que a criança está lá. Todos os habitantes daquela cidade. No entanto, todos acreditam que a beleza da cidade e por consequência a própria felicidade, a ternura de suas amizades e ate mesmo a saúde dos seus filhos dependem do sofrimento desta criança, pois, como fica claro para aquela parcela da sociedade que ali reside, se a criança for de lá retirada, e exposta à luz do dia, toda a prosperidade de Omelas sucumbiriam com a sua horrenda exibição.

Assim é o ato de esconder a real visão de nossa cidade. Uma tentativa de limitar ao invés de integrar. Devemos, portanto, repudiar tais exclusões e avaliar nossa diversidade cultural, social e racial, superando o tabu que obstaculiza o nosso crescimento como povo.

Fora disso, teremos uma Maceió para vaidosos, aliada a completa negação quanto a miséria que a própria cidade passa.

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