Natal: Juiz proíbe novos contratos com Organizações Sociais

Contratos só podem ser firmados com licitação

Tribuna do Norte

A Prefeitura de Natal está proibida de qualificar entidades como Organizações Sociais (OS). Também não pode celebrar novos contratos com OS para fins de atuação no Sistema Único de Saúde, nem renovar os já existentes, sem prévia licitação. A decisão é judicial e vale a partir de hoje. Foi publicada no Diário Oficial da Justiça, de ontem, assinada pelo juiz de Direito, Airton Pinheiro.

A UPA de Pajuçara é administrada por uma Organização Social que também responde pelas AMEsA determinação (tutela inibitória) atende a pedido do Ministério Público Estadual na Ação Civil Pública ajuizada por um grupo de promotores das áreas da Saúde e do Patrimônio Público contra a Prefeitura de Natal e o Instituto Pernambucano de Assistência Saúde (IPAS), que administrou a UPA de Pajuçara até novembro/2010.

Um dos pontos que levou o juiz a declarar a suspensão foi o fato da Prefeitura “escamotear” a obrigatoriedade da realização de licitações, escolhendo a contratação com as organizações sociais, com base na Lei 6.108/2010. Um dos pontos que resultou na Ação Civil foi a rapidez no processo de contratação do IPAS, mediante dispensa de licitação.

A decisão deve perdurá até o julgamento do mérito da ação civil. Como providência necessária ao cumprimento efetivo da tutela inibitória o juiz fixou multa pessoal de R$ 1.000.000,00 para a prefeita Micarla de Souza e para o Secretário Municipal de Saúde, Thiago Trindade, por cada contrato ou renovação de contrato que venha a ser firmado, posteriormente às notificações para cumprir a tutela inibitória.

Os representantes do MPE citam na peça que em 3 de junho de 2010 o Diário Oficial do Município publicou a Lei 6.108, que trata da qualificação de entidades sem fins lucrativos como organizações sociais. Dois dias depois, o Termo de Qualificação do IPAS, como OS, foi publicado e no dia 8, do mesmo mês, o DOM trouxe o Termo de Dispensa de Licitação para gestão da UPA do Pajuçara.

Contemplou à época o instituto pernambucano com um contrato de R$ 5,9 milhões por seis meses de serviços. A unidade foi inaugurada no dia seguinte. O contrato previa um adiantamento no valor de R$ 1,5 milhão. Nessa primeira decisão, o juiz Airton Pinheiro não atendeu ao pedido do MPE para que o serviço na UPA Pajuçara fosse retomado pelo município, já num prazo de 60 dias.

“Entendo que tal prazo traz o risco de desatenção ao princípio da continuidade do Serviço Público, de modo que, neste momento processual, entendo suficiente a tutela inibitória proibindo a renovação do contrato”, justifica o magistrado em sua decisão.

Segundo o juiz “a qualificação de empresas como OS nos termos em que se encontra previsto na Lei Municipal 6108/2010, bem como, a celebração de novos contratos de gestão com tais “organizações” sem licitação, importa em grave risco à honestidade dos gastos da Administração, à moralidade e, principalmente, o princípio da impessoalidade”.

Os pedidos de suspensão do contrato de gestão e proibição de renovação do contrato com o IPAS, foram desconsiderados pelo juiz, tendo em vista a renúncia do instituto em novembro passado. No entanto, o magistrado decidiu pela desqualificação do IPAS como organização social.

Contratos

Os contratos da Prefeitura de Natal com organizações sociais já somam mais de R$ 3 milhões mensais. Além da UPA do Pajuçara, cujo repasse é de R$ 1 milhão/mês, três Ambulatórios Médicos Especializados (AMEs) estão sob a gestão da Associação Marca e os repasses, se somados, representam R$ 2,1 milhões/mês. A Marca venceu seleção para administrar as cinco AMEs do município. Três delas estão em funcionamento (Nova Natal, Brasília Teimosa e Planalto) e outras duas (Dix-sept Rosado e Potengi) ainda serão implantadas.

Procurador diz que emergência foi “fabricada”

Está comprovado. As negociações entre a Prefeitura de Natal e o Instituto de Tecnologia, Capacitação e Integração Social (ITCI) para o contrato de gestão no combate à dengue, se deram cerca de dois meses antes da decretação do estado de emergência. Ontem, durante a 14ª Sessão da 1ª Câmara de Contas, do Tribunal de Contas do Estado, o procurador do Ministério Público junto ao TCE, Luciano Silva Costa Ramos, afirmou que diversos documentos atestam o que ele chamou de “fabricação” do estado de emergência.

“A decretação de emergência foi tão somente uma roupagem para dar ares de legalidade ao viciado procedimento”, afirma o procurador. A emergência – disse em sua representação – funcionou como pano de fundo para essa contratação, “que teve como causa única a falta de planejamento da SMS”. Reportagens da TRIBUNA DO NORTE publicadas há 15 dias denunciaram essa possibilidade.

Ontem, o procurador encaminhou representação à 1ª Câmara de Contas, com pedido de medida cautelar para suspensão do contrato com o ITCI.

O processo investigativo no TCE foi instaurado ontem mesmo, sob número 4441.2011-TC, com designação da conselheira Maria Adélia Sales para ser relatora do processo. Por determinação do presidente da 1ª Câmara de Contas, conselheiro Alcimar Torquato, todos os técnicos do tribunal ficarão à disposição da relatora, para dar celeridade ao processo. Em caráter de urgência deve ocorrer uma sessão extraordinária para o julgamento do parecer da relatora e definição quanto à medida a ser aplicada, de forma definitiva.

Em seu pronunciamento, o procurador do Ministério Público afirmou que “desde o nascedouro, o processo foi conduzido de forma a culminar com a realização do negócio jurídico com o ITCI. Premeditamente”. Bem fundamentado, a representação do procurador tem 79 páginas.

Ele chegou a essa conclusão ao analisar atas de três reuniões consecutivas entre representantes do ITCI, o secretário de saúde, Thiago Trindade, e a secretária adjunta de Gestão do Trabalho e Apoio Imediato aos Serviços de Saúde, Annie Azevedo da Cunha Lima.

As reuniões que versaram sobre “demandas da SMS e possibilidade de apoio do ITCI nos programas e ações de saúde” foram realizadas nos dias 16 de fevereiro; 16 de março e, a última, no dia 06 de abril, data em que foi publicado o decreto de emergência no Diário Oficial do Município. Já na primeira reunião foi apresentada a proposta de parceria no combate à dengue.

Na reunião de março já foi discutido o escopo do plano de trabalho e o planejamento orçamentário. E na terceira a instrumentalização jurídica.

À época do ITCI ainda não possuía o título de OS. Acabara de ingressar com um pedido de concessão dessa titulação junto ao município de Natal. O contrato foi publicado no DOM no dia 14 de abril, após a concessão da titulação. O procurador recomendou que as atribuições delegadas ao Instituto com relação ao
combate à dengue sejam transferidas, de imediato, para a administração
pública municipal, cessando as ações do ITCI.

Agentes voltam, se contrato for cancelado

No final da tarde de ontem, em reunião com o procurador do Ministério Público de Contas, Luciano Ramos, o Sindicato dos Agentes de Endemias (Sindas-RN) deixou claro que pode negociar o fim da greve, se o contrato com o ITCI for anulado. Por enquanto, os agentes de endemias do município de Natal continuam em greve por tempo indeterminado. Ontem, eles se reuniram em ato público no Centro de Controle de Zoonoses, na zona norte de Natal.

No processo administrativo de contratação do ITCI consta um memorando da secretária adjunta da SMS, Annie Lima, de 26 de janeiro 2011, alertando para uma possível epidemia da dengue e para a necessidade de contratação de 150 agentes de endemias. Essa situação já era conhecida, no entanto, desde 2009.

Na época, foi editada a Lei Complementar 106/2009 autorizando a contratação temporária e emergencial para atender a excepcional interesse público. A contratação prevista – que era de 70 agentes não saiu, apesar de ter sido instaurado processo administrativo para a seleção de pessoal. Esse procedimento ficou engavetado na assessoria jurídica da SMS.

“Ao invés de realizar concurso público ou processo seletivo simplificado, a prefeitura preferiu celebrar contrato de gestão com ITCI, extremamente antieconômico e induvidosamente lesivo ao erário municipal”, criticou o procurador do MP junto ao TCE. Entre as irregularidades, o procurador apontou a ausência de justificativa para a escolha do fornecedor e do preço contratado.

Ele aponta o valor do contrato R$ 8.116.675,72, como “superestimado para as ações necessárias e suficientes ao correto combate à dengue”. Em vários itens o valor destinado a “aluguoes”, “despesas operacionais e administrativas” e a “reserva técnica” é alto, sem detalhamento ou mesmo justificativas. O plano de metas é vago, sem estabelecer que tipo de controle o executivo deseja, ao final dos 90 dias.

O TCE notificaria ainda ontem a Prefeitura e o ITCI sobre o processo investigatório. O executivo municipal terá prazo de 72 horas para defesa.

Prefeita depõe e se exime de responsabilidade

Ao apresentar sua defesa junto ao Ministério Público Estadual, a prefeita de Natal, Micarla de Souza, declarou não ter responsabilidade no contrato de gestão assinado entre a Prefeitura de Natal e o Instituto de Tecnologia, Capacitação e Integração Social (ITCI), em abril passado. O depoimento foi dado na 44ª Promotoria de Justiça do Patrimônio Público, ontem por volta do meio-dia.

“A prefeita disse que não redigiu as cláusulas do contrato do ITCI e que todo o processo foi no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde”, informou o promotor Emanuel Dhayan Bezerra de Almeida, que investiga o contrato de gestão.

Segundo ele, a prefeita informou ainda que quem lhe apresentou o ITCI foi o secretário Thiago Trindade e que a qualificação do instituto como Organização Social ocorreu no âmbito dessa pasta.

“É um processo que carece de muitos depoimentos e as explicações maiores caberão ao titular da pasta da Saúde, que terá que explicar os meandros desse contrato”, afirmou o promotor, que recebeu ontem cópias do contrato, na íntegra. O depoimento do secretário municipal de saúde, Thiago Trindade, está marcado para às 11h de hoje.

Investigação

O inquérito civil (Peça informativa 110), que apura a legalidade do contrato de gestão, foi instaurado dia 20 de abril. Além de cópia do processo de contratação, o promotor solicitou cópia do processo administrativo que determinou o pagamento da primeira parcela do contrato. “Se houver, indício de ilegalidade, vamos promover ação civil pública”, avisou. A previsão é de que essa parcela fosse paga até hoje.

Além dos gestores, o promotor está ouvindo funcionários e representantes legais do ITCI. Emanuel Dhayan disse que acompanha as investigações no âmbito do Tribunal de Contas do estado, mas que o inquérito no Ministério Público Estadual corre, independente da decisão do tribunal.

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