Não faltam avisos: cuidado com o clima

 Washington Novaes- Estadão

É preciso insistir e insistir: as gran­des cidades brasi­leiras – mas não apenas elas – pre­cisam criar com urgência políticas do clima que as habilitem a enfrentar com eficiência os “desastres naturais”, cada vez mais frequentes e in­tensos e que provocam um nú­mero cada vez maior de mortos e outras vítimas; precisam arran­car do fundo das gavetas proje­tos que permitam evitar inunda­ções em áreas urbanas; criar pla­nos diretores que incorporem as novas informações nessa área; rever os padrões de cons­trução, já obsoletos, concebi­dos em outras épocas, para con­dições climáticas muito mais amenas – e que se mostram cada vez mais vulneráveis a desaba­mentos; incorporar as universi­dades nessa busca de formatos científicos e tecnológicos.

Segundo este jornal (21/2), de 12 locais alagados em uma sema­na no mês passado na cidade de São Paulo, 11 já sofriam com inundações há 20 anos – entre eles, alguns dos pontos com mais veículos e pessoas, como o Vale do Anhangabaú, a Avenida 23 de Maio, a Rua Turiaçu. E a Prefeitura de São Paulo prome­te desengavetar 79 obras antienchentes, algumas delas abafa­das há 15 anos. Inacreditável. O governo do Estado assegura que vai trabalhar em 14 piscinões (outros 30 caberão a parcerias público-privadas), além de apli­car mais R$ 317 milhões em de­sassoreamento do Rio Tietê, on­de já foi gasto R$ 1,7 bilhão (terá de gastar muito mais enquanto não decidir atuar nas dezenas de afluentes do rio sob o asfalto, que carregam sedimentos, lixo, esgotos, etc.). A população pau­listana ficará muito grata – ela e 1 milhão de pessoas que entram e saem diariamente da cidade (Estado, 27/2).

Enquanto não houver uma ação enérgica na área do clima e na revisão dos padrões de cons­trução em toda parte, continua­remos assim, como nas últimas semanas: obra irregular provo­ca desabamento de prédio na Li­berdade e mata pedestre (1.a/3); edifício de 20 andares desaba no Rio e arrasta mais dois, com 22 mortos (25/1); desabamento de lajes em construção de 13 pavi- mentos em São Bernardo do Campo mata duas pessoas (6/2); enchente em fábrica mata quatro em Sorocaba; inundação no Rio mata cinco pessoas (8/3); homem salva três pessoas e mor­re junto com um estudante, leva­dos pela enxurrada durante tem­poral de cinco horas no Ipiran­ga, quando caiu um terço da chu­va prevista para o mês e fez transbordar o Tamanduateí (11/3); deslizamento na moder­na Rodovia dos Imigrantes ma­ta uma pessoa e interrompe o tráfego (22/2), numa chuva de 183,4 milímetros, algumas vezes mais do que o índice médio de chuvas em um mês na região. Até o Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, perdeu mais de 130 caixas de documentos históri­cos num temporal no centro da cidade (10/3).

Não pode haver ilusões. O Brasil já está em quinto lugar entre os países que mais têm sofrido com desastres climáticos. O Semiárido, em outubro último, te­ve o mês mais seco em 83 anos, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (Estado, 31/10); 10 milhões de pessoas fo­ram atingidas em mais de 1300 municípios. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, órgão da Conven­ção do Clima, este ano só divul­gará parte de seu novo relatório, mas seu secretário-geral, Rajendra Pachauri, já adverte que é preciso “espalhar a preocupa­ção”, de vez que, com o aumen­to da temperatura, até 2050, en­tre 2 e 2,4 graus Celsius, o nível dos oceanos se elevará entre 0,4  e 1,4 metro – mas poderá ser mais, com o avanço do degelo no Ártico (Guardian, 28/2).

Não é por acaso, assim, que o sistema escolar público dos Esta­dos Unidos já tenha, este ano, in­corporado as questões do clima a seu currículo para os alunos. E que o Conselho da União Euro­péia tenha aprovado 20% do seu orçamento – ou € 960 bilhões – para políticas e ações nessa área. Porque as informações são alta­mente preocupantes. Como as da Organização das Nações Uni­das para a Alimentação e a Agri­cultura (9/3) de que duplicou, de 1970 para cá, a superfície de ter­ras afetadas pela seca no mundo; ou a de que as emissões de dióxi­do de carbono C02 por desmatamento, atividades agrícolas e outros formatos, entre 1990 e 2010, cresceram muito – e o Bra­sil responde por 25,8 bilhões de toneladas equivalentes de CO2, seguido pela Indonésia (13,1 bi­lhões de toneladas) e pela Nigé­ria (3,8 bilhões).

Os problemas com o clima, diz a Universidade de Reading (1.°/3), indicam que será preciso aumentar a produtividade na agricultura em 12% a partir de 2016, para compensar as perdas e as mudanças nos ambientes. A vegetação nas latitudes mais ao norte da América está mudan­do, começa a assemelhar-se à das áreas mais ao sul, segundo a Nasa (UPI, 12/3), que analisou o período 1982-2011; e lembra que as atividades no campo terão de adaptar-se. Também há altera­ções muito fortes em outras regiões, como nos Rios Tigre e Eufrates, que em sete anos (2003-2010) perderam 144 qui­lômetros cúbicos de água, equi­valentes ao volume do Mar Mor­to (O Globo, 14/2).

Em toda parte as informa­ções inquietam. Universidades da Flórida, por exemplo (Huffpost Miami, 12/3), alertam que será preciso transplantar três grandes estações de trata­mento de esgotos no sul do Esta­do para evitar que elas fiquem “confinadas em ilhas” em me­nos de 50 anos, por causa da ele­vação do nível do mar. O almi­rante Samuel J. Locklear III, co­mandante da frota norte-americana no Pacífico, diz que essa elevação do nível dos oceanos “é a maior ameaça à segurança”. E que China e Índia precisam preparar-se para socorrer e eva­cuar centenas de milhares ou milhões de pessoas.

Retomando ao início deste ar­tigo: as cidades brasileiras não podem adiar o enfrentamento das mudanças do clima, princi­palmente quanto a inundações e deslizamentos de terras (o Bra­sil tem mais de 5 milhões de pes­soas em áreas de risco). Segun­do a revista New Scientist (20/10/2012), 32 mil pessoas morreram no mundo, entre 2004 e 2010, em eventos dessa natureza (em terremotos, 80 mil). Não faltam avisos.

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