Em um dos meus livros faço agradecimento poético aos meus avós.
Neles minha ancestralidade e suas lutas se manifestaram desde a tez. Cores de peles, formatos de narizes e bocas, misturas cromáticas de olhares. Nenhuma herança que me fizesse opressora.
Meus bisavós não os conheci todos. Ouvi falar sobre alguns.
O que sou a partir disso?
Nascida na margem do partido de cana que fica próximo ao mar, sou alagoana do norte. Meus ancestrais indígenas foram silenciados e apagados da história oficial mas pude encontrá-los nos olhos de minha bisavó Antônia, a quem a pele branca não negava a pertença étnica nativa.
E seu marido a quem não conheci, aquele Laurindo de olhos azuis e pés na descendência europeia levou a meu avô Antônio o olhar esverdeado que tingiu o meu.
Avó Adelia e seus cabelos pretos lisos, emoldurava na face branca a mulher passiva e criadora de filhos, com a ternura de todas as raças contidas no DNA.
A negritude mais forte por certo veio das cercanias palmarinas, onde brotou, viveu e voltou a ser terra minha bisavó que não gostava de sandálias e assim ficou conhecida e falada por causa dos pés descalços, livres dos apertos. Marculino foi pai de Elias, o avô que semeou a cor do meu pai José, um homem negro que ainda tem encarnados nesta terra irmãos de olhos azuis e verdes, herdados de minha avó Maria Bento, uma baixinha tipicamente herdeira de portugueses.
Como renegar minha miscigenação?
Por quais razões deveria fazê-lo?
Essa índia que há em mim comunga com a negra que em mim mora, e acolhe a branca que outrora existiu antes de mim. Sou todas elas.
Não posso combater a pele que o patriarcado fere desde as primeiras aqui encontradas, e aquelas aqui trazidas, com aquelas outras aqui mantidas.
Se não puder poetizar este colorido corpóreo ao menos não me impeçam de escolher falar o que suba à boca. Não impute culpas. Não me retire partes.
Em mim se reúnem ancestrais e só lhes peço sabedoria e força.