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Milagres muda nome, privatiza espaços públicos e expulsa pescadores

São Miguel dos Milagres agora é Milagres. Ou melhor: Miracles. Levar o nosso idioma para o dos outros é sucesso garantido, of course.

Não apenas São Miguel vive mudanças. A Rota Ecologica dos Milagres – que também inclui Passo de Camaragibe e Porto de Pedras- promove explícita expulsão de nativos pobres e pescadores.

Quem não é expulso será subempregado. Ou, num português mais sofisticado “empreendedor”.

Escrevi esta semana para o EXTRA sobre os efeitos devastadores dos silêncios de prefeituras, fiscais ambientais e da lei.

O cenário é de vergonha.

Veja trechos do material:

Muros ou cercas aparecem da noite para o dia, fechando acessos dos nativos às praias. Pescadores estão perdendo territórios do pescado ou são ameaçados de morte, caso recusem vender suas casas.

Milagres agora é marca internacional: I Believe em Miracles.

(…)

A Rota Ecológica dos Milagres tem forte conteúdo histórico. Por ali viveram os “povos das matas”, descritos em obras dos historiadores Dirceu Lindoso e Sávio Almeida. Portos ilegais que descarregavam escravos para as plantações de cana de açúcar estão registrados em estudos na região.

Mas nada disso é levado em conta. E dá para se perceber que a festa não inclui todo mundo. Enquanto avançam as obras do Aeroporto Regional Costa dos Corais em Maragogi (R$ 120 milhões) e o resort Vila Galé investe R$ 140 milhões em Carro Quebrado (na Barra de Santo Antônio, também na Rota de Milagres), o povo é expulso de áreas originais e os serviços públicos são os piores. Apenas 3% das casas em Passo de Camaragibe têm esgotamento sanitário adequado. São Miguel dos Milagres, 8% e Porto de Pedras, 4%.

O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), que inclui longevidade, educação e renda do povo, é quase tão ruim quanto os já piores do mundo Níger, República Centro-Africana e Chade.

(…)

“O que vem ocorrendo no território da chamada “Rota Ecológica dos Milagres” é reflexo da forma de relação da sociedade com a natureza, a qual vem sendo orientada a partir da perspectiva mecanicista, em que as pessoas e a natureza são transformadas em mercadorias”, analisa o trabalho de pós-doutorado Conflitos Socioambientais no Território da Rota Ecológica dos Milagres em Alagoas/Brasil, da pesquisadora Rennisy Rodrigues Cruz, da Universidade Federal de Pernambuco, publicado ano passado.

“Terra esta que vem sendo privatizada e ocupada por grupos de alto poder aquisitivo e que, também, têm forte influência na política local. Ambientes que deveriam ser protegidos pois se enquadram como Área de Preservação Permanente – APP e apresentam relevantes atributos ecológicos e culturais estão sendo descaracterizados e/ou utilizados nas estratégias de marketing ambiental nas festas badaladas, na venda de lotes e de outros empreendimentos imobiliários”, explica.

Rota infernal

Poucas certezas neste cenário tão devastador e cheio de omissões: os Milagres são mesmo para poucos.

Existem elementos racistas: ser preto e da região é ocupar subfunções.

Cedo, as crianças aprendem qual seu futuro lugar de presença neste mundo.

O turismo semi-escraviza a mão de obra que antes cortava cana de açúcar ou pescava. Também em situação indigna.

Invisível

O segredo para que esta belíssima Rota Ecológica ocupe lugar invisível perante as autoridades? Políticos, ricaços e famosos possuem terras ou mansões nela. É clássico não importunar os donos do dinheiro mas a violência na ocupação do solo avança, com gente erguendo cercas do dia para a noite ou se apossando dos arredores do santuário do peixe-boi, no rio Tatuamunha, no encontro dele com o mar.

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