Meu 'precatório'- artigo de Antônio Sapucaia

Como desembargador, não me sentia confortável em bater às portas de algumas firmas, buscando negociar o meu crédito decorrente do gatilho salarial, à semelhança do que vem ocorrendo com centenas de servidores, inclusive membros do Poder Judiciário, com base na Lei estadual nº 6.410/03, regulamentada pelos decretos 1.738/03 e 5.160/10.

Antônio Sapucaia- desembargado aposentado- Gazeta de Alagoas

Quando me aposentei do cargo de desembargador, em 2008, concedi entrevista a um dos jornais locais afirmando que, a partir de então, iria cuidar, principalmente, de duas coisas: “brincar de brinquedo” com o meu neto e tentar receber o meu “precatório”.

Como desembargador, não me sentia confortável em bater às portas de algumas firmas, buscando negociar o meu crédito decorrente do gatilho salarial, à semelhança do que vem ocorrendo com centenas de servidores, inclusive membros do Poder Judiciário, com base na Lei estadual nº 6.410/03, regulamentada pelos decretos 1.738/03 e 5.160/10.

Já aposentado, passei a ocupar o cargo de diretor do Detran, ocasião em que estreitei os contatos com o governador Teotônio Vilela Filho, a quem deveria ter reivindicado o pagamento do meu crédito, como tantos outros fizeram, mas não tive coragem para tal. Quer como desembargador, quer como diretor do Detran, sobrava-me escrúpulo para tentar receber o que me era devido, embora o pleito fosse justo e tivesse necessidade de receber aquilo a que fazia jus.

Mais: considero-me amigo dos advogados Marcos Bernardes de Melo e José de Freitas Lins, os causídicos mais envolvidos com os chamados “precatórios”, sendo o primeiro meu confrade no Instituto Histórico de Alagoas e na Academia Alagoana de Letras, o que me facilitaria o acesso a ele. Por timidez e zelo de consciência, sempre me faltou coragem para a eles recorrer.

Devo esclarecer que estou usando a expressão “precatório” entre aspas porque até agora o meu crédito não atingiu a condição exigida pelo art. 100 da Constituição Federal, o que só se dá após o trânsito em julgado da decisão e a formalização do precatório requisitório ao Tribunal de Justiça. Por incrível que pareça, a decisão que me concedeu tal direito já transitou em julgado há mais de 22 anos, está hibernando no Juízo competente, enquanto o Tribunal de Justiça, silencioso e de braços cruzados, parece co-onestar as medidas legais e ilegais que permeiam tudo o que diz respeito aos “precatórios”.

Como o tema tem sido disciplinado pela lei estadual e decretos mencionados acima, sinto-me no dever de colocar o meu crédito à disposição de alguma firma que se proponha a negociar conosco, nos moldes de praxe, pois, embora não seja portador de nenhuma doença grave, estou com 73 anos de idade e não ocupo nenhuma função pública que me iniba de formular o pleito.

É oportuno lembrar que apenas cerca de 20 juízes, até agora, não receberam seus “precatórios”, enquanto alguns o receberam mais de uma vez, o que não deixa de ser imoral e causar indignação a clamar por ação enérgica da Justiça. O maior exemplo de corrupção atinente a precatórios ocorre no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, de onde foram afastados da atividade dois desembargadores e uma funcionária. É preciso acautelar-nos para que casos assemelhados não venham acomodar-se e incomodar aqui, já que pagamentos têm sido efetuados de formas diferenciadas e distorcidas.

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