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Meu filho, torturado, morto, incriminado.

Hoje tem registro de luta!

26 de junho é o Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura. Quem formalizou foi a ONU – Organização das Nações Unidas, há 27 anos atrás, reiterando a Convenção contra a Tortura, que foi assinada por seus Estados-Membros em 26 de junho de 1987.

Parece bonito encher a boca com essa simbólica manifestação política, mas não teremos beleza na vida real enquanto causas assim se resumirem a festivas datas.

Eu, Ana Cláudia Laurindo, mãe de Alexystaine Laurindo, torturado aos 12 anos de idade pelos agentes de segurança municipal e policiais civis em Matriz de Camaragibe, Alagoas, em 31 de agosto de 2008, tenho legitimidade moral e política para afirmar.

Compromisso assumido perante seu corpo tombado em violência letal em novembro de 2010, entre outras pautas e lutas por cidadania e direito de viver, seguirei “resgatando a história sofrida do mártir Alexystaine Laurindo, hoje uma insígnia de sobrevivência moral no direito à memória”. (p.17)

Sim, pois os malefícios institucionais que encontraram na sua adolescência terreno para torturar em punição por uma pedra aleatória que atingiu uma viatura, ferindo o Estatuto da Criança e do Adolescente, Códigos de Direitos Humanos nacionais e internacionais, encontraram na sua morte precoce e violenta o adubo para a disseminação criminosa de ofensas à sua memória, como estratégia de justificação para os crimes que lhe vitimaram.

O Estado alagoano não soube lidar de outra maneira, que não a convencional, quando recebeu denúncias de tortura praticada por agentes de segurança pública vinculados formalmente aos seus quadros. E o empenho na criminalização da vítima, culminou com a lambança sobre sua memória após ser emboscado sob a justificativa de ter separado uma briga entre o assassino e outro rapaz. Era marcado para morrer, mas ele não acreditava nisso.

Uma sociedade descaradamente conivente sabia que ele estava marcado, após as denúncias feitas. Mas nós também não acreditamos nisso.

Ao torturado não resta direitos.

Quem abre a boca com frases de efeito e assenta a vida sobre a égide da defesa de Direitos Humanos sabe que não ouviu os meus clamores denuncistas, não valorizou a dor do meu filho após a destruição violenta da sua imagem pelo Estado de Alagoas.

“Alagoas tem sido nosso chão ontológico, território de semeaduras adubadas com lágrimas e sangue, em um círculo de punições e iniquidades que não cessa de girar”. (p.24)

Após a tortura e o assassinato, abriu-se o ciclo da perseguição à memória dele e à nossa imagem social. Fui associada ao crime organizado, nossa casa recebeu sentença de censura que impedia a manifestação pública do seu nome e não encontramos, senão no tempo, a explicação para o processo.

Nesta experiência de dor profunda encontrei outro sentido na opção política de esquerda, que vai para muito distante do enlace partidário ou questões sindicais, pois nestes nichos encarei o silenciamento sobre a luta imensa que nos esmagava por medo de crescimento político eleitoral do meu nome, diante da comoção, da minha coragem, da eloquência da minha voz de mãe.

Intelecto e humanidade, me salvaram, me permitiram falar para além. Desabrochou a escritora com o primeiro livro “Bastidores da Violência (e dos violentos) em Alagoas”, onde o compromisso com escrita virou saga existencial, me levando para cada vez mais perto dos corações humanos, ensinando a sobreviver sem amparo, desenvolvendo força na alma.

Sem nunca esquecer, em nome de nada neste mundo, “um menino que foi proibido de ser feliz a partir dos 12 anos de idade”. (p.29) As marcas da tortura desfiguram a autoimagem. As manifestações mais contundentes disso eram as roupas que ele rasgava e escondia embaixo da própria cama, após passar 15 dias de mutismo absoluto.

“Tive que contemplar o massacre ao “eu” daquele menino”. (p.30)

Desde o dia da tortura até o dia de sua morte, lutamos por seus direitos, mas não existia garantias reais para eles.

“Se ler ou ouvir a afirmação de que há tortura é algo chocante, saber que um filho pré-adolescente foi vitimado por esta prática é algo indefinível”. (p.34)

Começamos a perder nosso filho na noite em que o torturaram por motivo torpe.

No livro “200 anos de Alagoas – Análise Socioantropológica” faço alguns resgates baseados em memórias e estudos, tentando seguir a vida com utilidade histórica, mesmo sendo rechaçada por grupos à direita e à esquerda, aprendi a caminhar entre os independentes.

“Quando algo perverso acontece ao sujeito social, o recurso de dignidade que lhe parece sobrar é a luta por justiça”. (p.35)

Assim lutamos. Sabendo que aqueles que gritaram por Amarildo e Marielle nunca gritarão por Alexystaine Laurindo, mas eu gritarei até o fim dos meus dias e deixarei escrito em minha última palavra : Justiça por Alexystaine!

 

Fonte bibliográfica: LAURINDO, A. Cláudia. 2oo anos de Alagoas: análise socioantropológica. Maceió: CBA. 2017.

 

 

 

 

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