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Marina Silva: Além do possível

Marina Silva- Correio Braziliense

Desde 1995, quase duas centenas de nações se reúnem anualmente sob a supervisão da Organização das Nações Unidas (ONU) para negociar formas, meios e metas de reduções de gases do efeito estufa (GEE) para cada um desses países. E, apesar dos sinais das mudanças climáticas estarem cada vez mais claros, os resultados sempre ficam muito aquém do necessário.

Na 18ª Conferência das Partes (COP-18) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que ocorreu neste ano em Doha, no Qatar, de 27 de novembro a 7 de dezembro, não foi diferente. O que esperar, então, da trajetória das negociações climáticas a partir de agora? A principal decisão concreta de Doha terminou sendo a já esperada extensão do Protocolo de Quioto para 2020. Mas isso acaba em uma tecnicalidade menor, sem substância diante do grande e verdadeiro entrave que é de ordem ética, da esfera do direito de toda a população mundial a ter qualidade de vida e a estabelecer nova relação com o planeta.

Essa é a principal crise que vivemos, a dos valores. De um lado, temos o conhecimento da crise ambiental e da injustiça social, o que levou à ideologia do desenvolvimento consumista e hipercompetitivo, não solidário. De outro, esse conhecimento não leva a soluções efetivas, tomadas e implementadas com a urgência necessária, pois os governantes do planeta preferem o jogo mesquinho de interesses do que o interesse maior das populações do mundo.

Na década de 90, discutia-se o quanto o aumento de temperatura era consequência da ação humana e que tipo de impactos poderíamos ter. Na década passada, o mundo se convenceu de que nós mesmos estávamos causando o problema e deveríamos limitar a 2°C o crescimento da temperatura (se possível 1,5°) e se perguntava se os desastres naturais com maior frequência e intensidade já eram consequência das mudanças climáticas.

Iniciamos esta década com fortes indicadores de que estamos vivendo as mudanças climáticas. Relatórios e relatórios começam a mostrar as conexões entre os desastres naturais e o aumento da temperatura média do planeta. Mas a resposta não vem, ou vem de maneira tão vagarosa que acaba sendo irrelevante. O Protocolo de Quioto veio em 1997 com metas para os países desenvolvidos, até então os que mais emitiam. Hoje, contudo, é preciso apontar a responsabilidade de países como o Brasil, a China, a Índia, que permanecem na cômoda posição, de se autointitularem “em desenvolvimento”, furtando-se a uma aliança forte e decisiva para pressionar as nações mais ricas.

O desanimador é que nada muda substancialmente nas negociações. Reunião após reunião, a linguagem diplomática serve para encobrir o essencial: não houve avanços relevantes. E agora novo acordo será negociado até 2015 para ser efetivamente implementado em 2020. Muitos acham que em Doha se alcançou “o possível”. Mas podemos ainda nos conformar com o possível? Há tempo para tanta firula e procrastinação?

Mas para muitos outros, no entanto, a COP18 foi um retumbante fracasso, a ponto de defenderem o fim, ou pelo menos o espaçamento, das reuniões da Convenção do Clima. A questão é que, para lidar com o problema na escala em que se apresenta, a ousadia dos países terá de ser muito maior e aí entra o imperativo ético. Nenhum governante, movido apenas por cálculos da sua posição e da dos demais, tal como se desenha até hoje, vai ousar. Seria preciso uma força de estadista para começar a raciocinar do ponto de vista da sociedade e do sofrimento das pessoas, relacionado às mudanças do clima.

Segundo estimativas do consultor Tasso Azevedo, o Brasil, entre 2005 e 2011, obteve redução de 35% das emissões de gases de efeito estufa. A maior contribuição de um país na história para limitar as emissões globais. Essencialmente isso se deve às políticas de combate ao desmatamento implantadas a partir de 2005. Mas, ao mesmo tempo, enquanto as emissões de desmatamento — que representavam 65% das emissões em 2005 — caíram mais de 60% desde então, as emissões de energia cresceram 33% e a da agricultura cresceram 7%. Com isso, em 2012, as emissões de energia e pecuária já devem ter ultrapassado as de desmatamento.

O crescimento das emissões de energia se devem principalmente ao aumento do consumo da gasolina e diesel e pelo consumo de óleo combustível em termoelétricas. O Brasil pode liderar nova política de negociações baseada na ética, com apoio social, para um acordo verdadeiramente ambicioso com metas de redução de emissões para todos os países emergentes. Mas, para isso, não pode ficar no meio-termo, tentando equilibrar-se nas tábuas já podres do modelo de desenvolvimento insustentável. É preciso coragem para fazer a travessia, é preciso pensamento político novo. Esse seria o ingrediente fundamental para destravar as COPs do futuro.

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