Marcelo Henrique: Francesco, o porta-voz da esperança

Foto: Riccardo Antimiani/EFE

Hoje é o aniversário de Jorge Bergoglio. E, em seus oito anos de pontificado, Francesco tem sido o arauto de boas novas, como, aliás, é a sinonímia de Evangelho. Obviamente, estando à frende uma das mais vetustas e conservadoras instituições de todos os tempos, Jorge move-se como num tabuleiro de xadrez, tal qual o bispo dentre as demais peças, possuindo, portanto, algumas limitações. Os que conhecem as regras ou praticam o jogo hão de se recordar das vedações para determinados movimentos.

Em uma recente encíclica (Todos Irmãos – Fratelli Tutti), falando ao povo cristão – mas, também, para os demais, os habitantes deste planeta – o pontífice escreveu um libelo de profundidade social, o terceiro, aliás com esta envergadura, rechaçando os sistemas e ideologias alinhadas ao neoliberalismo e ao populismo – tão em voga em algumas nações no mundo, inclusive o nosso Brasil. Discursos sedutores, apoiados em máximas de “luta contra a corrupção”, “valorização do nacional” e anteparo em “bordões religiosos” foram e tem sido entendidos como tábuas de salvação para muitos que ainda sonham com “salvadores da pátria”.

Como o capitalismo “selvagem” dá sinais de esgotamento, permitindo-se a ampliação da concentração de renda e bens sobre parcelas diminutas da população planetária, e o locupletamento daqueles que se retroalimentam em termos de concessões e apoios, sobretudo em função de candidaturas e projetos políticos, é preciso pensar e planejar um cenário político-social mais inclusivo e com a redução das enormes desigualdades sociais e a erradicação da miséria e da fome, seja em nosso país, seja em outras nações.
As dificuldades maiores impostas pela pandemia agravam o cenário e ampliam o abismo entre os que têm condições de mantença e os que perderam tudo ou vivem, agora, da caridade alheia.

É fato que as ideias expostas nas cartas papais não são nenhuma novidade, e revisitam temas que ainda gravitam em torno dos governos e de suas populações, como a globalização desumana, o consumismo desenfreado, a predominância de direitos privados sobre públicos, a falta de empatia pelos diferentes e, ainda, o (cada vez maior) controle de empresas digitais sobre a informação e sobre as pessoas.

Bergoglio volta-se, também, para os não-cristãos (ou os não-católicos) para estabelecer conversações com líderes religiosos e políticos distintos. Sua carta, inclusive, toma como referências humanas importantes Gandhi e Luther King. Nesse sentido, os discursos e as práticas de um e outro são altamente propícios para os dias de hoje em que o crescimento (econômico) não propiciou o desenvolvimento humano integral e a redução (imprescindível) das desigualdades individuais e coletivas.

Em termos brasileiros, há um elemento adicional que merece destaque e tem a ver diretamente com o retorno do populismo em torno de determinados líderes políticos, mascarando demandas e direitos legítimos sob a bandeira de “interesses nacionais”. E, neste particular, a vinculação de governantes com bandeiras religiosas ou, até mesmo, igrejas, produz um séquito de adoradores que são incapazes de enxergar além daquilo que se divulga pelas mídias – vinculadas ou não a ideologias – acerca de falas ou ações dos agentes políticos.

Políticos vêm e vão. São facilmente substituíveis. Deixam de ter importância quando são, pelo sufrágio popular, legados ao esquecimento ou quando se tornam, apenas, personagens da História. Pessoas (e o povo) permanecem. E é por isso que o título da encíclica, Todos Irmãos, figura como o ideário de convivência, num estágio, talvez, pós-civilizatório. Mas, estando, nós, ainda, nesta fase de disputas ideológicas, com sinais de estarmos retrocedendo em muitos pontos, com anacrônicos conflitos que já imaginávamos estarem superados, cabe aos que estão despertos superarem as limitações de entendimento e de relacionamento, sobretudo entre os nacionais.

E, para que não fiquemos à espera de ver, na urna eletrônica, o cadinho mágico onde os requisitos irão se transformar num elixir de revigoramento da (sofrida) pátria, há de se buscar, desde agora, uma nova noção de via alternativa para os conflitos e para a retomada de padrões de desenvolvimento nacional e de superação da indigência social, para a maior parte de nossa população. Sem depositar, é claro, vãs esperanças em novos “messias”.

Isto com a esperança de Francesco!

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