Mandem a conta para Lula

E o público estaria mais bem servido. Por que não se fez antes? Porque o então presidente Lula não deixou

Carlos Alberto Sardenberg – O Globo

Há um interessante debate sobre a privatização  dos aeroportos feita pelo governo Dilma, mas há também o entendimento de  que a mudança é positiva.

E desde já, se a coisa funcionar mais ou  menos, fica assim: o governo ganha dinheiro com os aeroportos, ao vender  as concessões (R$ 26 bilhões numa tacada inicial!) e receber  participação nos lucros e ainda consegue turbinar os investimentos nessa  área crucial de infraestrutura.

Ou seja, se tivesse feito isso há  mais tempo, o governo poderia ter utilizado em outros setores carentes,  saúde, por exemplo, o dinheiro que gastou em aeroportos e o que teria  recebido nas privatizações.

E o público estaria mais bem servido. Por que não se fez antes? Porque o então presidente Lula não deixou.

A conversa sobre privatização dos aeroportos não é nova, sobretudo no mundo privado. No  governo FHC, tratouse disso no segundo mandato, quando o presidente já  estava desgastado e privatizar era pior do que qualquer outra coisa.

Em  suas duas campanhas vitoriosas, Lula voltou a demonizar a privatização,  com tal força que os próprios tucanos fugiram dela como diabo da cruz.

Mas  no segundo governo Lula, a partir de 2007, o tema voltou, quando a  administração lidava com o caos aéreo que explodira no final de 2006.

Foi  quando as autoridades finalmente admitiram que todo o sistema aéreo  era, literalmente, uma permanente ameaça de desastre: recursos mal  administrados; os aeroportos sem estrutura adequada; falta de pessoal  especializado, como os controladores de tráfego aéreo; radares com zonas  cegas; falhas nas comunicações via rádio.

Feitas as contas, estava  na cara que os recursos necessários para atacar todos esses problemas  estavam muito acima da capacidade do governo federal.

Conclusão óbvia: era preciso trazer dinheiro, empresas e gente nova para o setor. Vender concessões era a óbvia saída.

Pelo menos três ministros do governo Lula disseram a este colunista que a privatização era inevitável. A necessidade venceria as resistências ideológicas. Modelos foram analisados pelos técnicos da administração federal, alguns chegaram a ser anunciados.

Por  exemplo: em julho de 2007, o então ministro da Defesa, Nelson Jobim,  deu prazo de 90 dias para que a Agência Nacional de Aviação Civil, Anac,  e a Infraero apresentassem o projeto para o terceiro aeroporto de São  Paulo. Ficou pelo caminho. A coisa simplesmente morreu, não se falou mais nisso.

Já havia então um projeto preparado por um grupo de empresas privadas para a construção desse aeroporto na região de Araucária. Aliás,  o projeto continua de pé, e voltou a ser lembrado agora que o governo  fez três concessões privadas de aeroportos já existentes.

Por que não  autorizar a construção de um outro, inteiramente e desde o início  privado? Resumindo: a presidente Dilma e seu pessoal celebraram os  leilões de Guarulhos, Viracopos e Brasília.

Disseram, corretamente, que se inicia uma nova era, com mais investimentos e mais eficiência. Por  que não fizeram antes se todos estavam no governo Lula? Porque Lula  disse que tudo se resolveria com o PAC, no qual destinou uns R$ 5  bilhões à Infraero, para os 12 aeroportos da Copa.

Reparem como não fazia sentido além da propaganda. Só para a privatização de Guarulhos, o governo exigiu da nova concessionária compromisso de investimentos de… R$ 5 bilhões.

Para Brasília, mais de R$ 8 bilhões. Resumo da ópera: Lula é responsável por um atraso de cinco anos nessa privatização. GREVE  DE POLICIAIS Tem ainda uma outra conta para o ex-presidente, a falta de  legislação regulando greves de funcionários e de policiais, como essa  que assombra a Bahia.

Entre o final de 2006 e o início de 2007, houve  uma sequência de greves de servidores públicos da educação,  previdência, meio ambiente e também da polícia. O impacto foi tão negativo que até o presidente Lula reclamou. Lembramse?  Disse que funcionário público em greve parecia, na verdade, estar em  férias, pois não tinha desconto dos dias parados.

Encarregou o então ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, de preparar um projeto regulamentando o tema. O ministro chegou a anunciar os princípios da nova legislação.

Por  exemplo: servidor armado não pode fazer greve; greves têm de ser  aprovadas em assembleias com pelo menos dois terços da categoria (a  greve dos PMs da Bahia seria ilegal nos dois quesitos); e servidor em  greve não recebe salário. Onde está o projeto? Sumiu.

Os sindicatos de funcionários não gostaram, Lula esqueceu. É sempre difícil saber como as coisas teriam se passado se outras providências tivessem sido tomadas. Mas o olhar em retrospectiva mostra, sim, o que deixou de ser feito.

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