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‘Luto’ pelo fim da Gazeta ignora enterro do jornalismo no Brasil

O fim do diário Gazeta de Alagoas- maior jornal de circulação no Estado- integra um contexto muito maior que gestos de solidariedade a demitidos ou notas de pesar mais tapinhas nas costas.

Existe um projeto há anos em curso de desmantelamento do jornalismo brasileiro. Que deve chegar à sua pior fase com Jair Bolsonaro e seu tratamento troglodita a jornais e repórteres.

O fim das tiragens diárias da Gazeta vem na esteira da flexibilização das regras trabalhistas, do fim da exigência do diploma aos profissionais, do desrespeito a acordos trabalhistas e somente depois -bem depois- alteração nos padrões de circulação da informação, do impresso para o digital, que se assiste no mundo.

A maquinaria deste processo é ignorada pela maioria dos que trabalha em redação. Na 29ª edição do prêmio Braskem de Jornalismo, neste sábado, havia faixas com as palavras “luto”; alguns discursos resumidos a “que pena”, “vai se adequar a outro lugar”, como se o encerramento de um diário do tamanho da Gazeta e suas mais de 30 demissões fossem apenas uma furtiva lágrima de um filme de amor açucarado.

A falência da Gazeta como conhecíamos pressiona mais uma vez entidades sindicais e os próprios profissionais a posições maiores que uma mera faxina no próprio umbigo. Quando outras redações demitiram pelo país, havia quem acreditasse, na Gazeta, estar numa zona de conforto, uma fortaleza inexpugnável.

A realidade foi mais dura.

Os demitidos não são incompetentes. São vítimas de um contexto cada vez mais cruel, ignorado pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ).

E se continuar ignorado, o contexto vai exigir muitas tintas para novas notas de pesar. Ou falas inspiradas em Augusto Cury e Lair Ribeiro, como consolo para carências de egos vaidosos ou falta de salário neste final de ano.

O Brasil está matando as suas profissões. E a morte chegou às redações. Nós jornalistas acreditávamos imunes neste processo.

Se existia vacina, o efeito dela passou faz tempo.

Que saíamos deste ritual fúnebre e partamos para fazer história. O Jornalismo é um corpo em decomposição. E o jornalista um ser social que se trata como distante do calor das ruas.

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