Repórter Nordeste

Líder em violência, Alagoas é destaque no Correio Braziliense

Renata Mariz-Correio Braziliense

A  frase é pronunciada com revolta e perplexidade. “O corpo fala. A gente  assiste ao CSI e vê que um cabelo, resto de pele debaixo da unha, tudo  pode ajudar a solucionar um crime”, afirma Edglemes José dos Santos.  Alagoano de 51 anos, ele descobriu da pior forma possível que a perícia  no Brasil está muito longe do seriado americano de maior sucesso nos  últimos tempos. Dias depois de enterrar o filho mais velho, Erick, de 24  anos, em janeiro, teve de autorizar a exumação do corpo para a retirada  de duas balas, que seriam confrontadas com armas de suspeitos. “Deixar  meu menino com os tiros porque não havia um aparelho de raios X? Que  absurdo!”, revolta-se. As condições de penúria dos setores de perícia  não só em Alagoas, mas nos quatro cantos do país, levaram o Ministério  da Justiça a priorizar a área, de forma inédita, no Plano de Combate aos  Homicídios, quase pronto para ser lançado.

“Vamos manter a  essência da segurança com cidadania, mas com um enfoque diferente.  Queremos dotar os estados de laboratórios e toda a infraestrutura  necessária para que os peritos possam trabalhar”, adiantou o ministro da  Justiça, José Eduardo Cardozo, sem revelar detalhes da proposta.  Documentos que ajudaram a convencer Cardozo da necessidade de  investimentos nas perícias mostram, por exemplo, que o efetivo em todas  as regiões do país é precário (veja arte). Enquanto a Associação  Brasileira de Criminalística (ABC) recomenda 20 profissionais por 100  mil habitantes, o número não chega a três em locais como Alagoas, Ceará e  Maranhão. Só o Tocantins alcança o patamar sugerido, com 30 peritos por  100 mil habitantes. “Se não for parente do prefeito, o cidadão que  morre no sertão, lá no interior de muitos estados, não terá um perito  criminal para fazer os exames”, diz Iremar Paulino, presidente da ABC.

Nos  últimos 10 anos, não houve aumento de efetivo em pelo menos cinco  unidades da Federação. Enquanto a escassez de peritos no interior se  agrava, foi exatamente nessa porção do país que os assassinatos  cresceram 21,4% de 2003 a 2010, enquanto caíram 23,8% nas capitais e nas  regiões metropolitanas no mesmo período. Para conter a matança no  Brasil, de 26 homicídios por 100 mil habitantes, o novo plano de Cardozo  conta com o ineditismo de privilegiar a perícia para não entrar na  lista dos programas fracassados. “O investimento em equipamentos que dão  visibilidade tem sido historicamente priorizado pelos governos que, de  uma forma geral, preferem gastar em viatura a comprar um microscópio de  varredura, por exemplo”, critica Gustavo de Carvalho Dalton, presidente  da Associação Brasiliense de Peritos em Criminalística.

Em  Alagoas, estado com o maior índice de homicídios do país — 66,8 por 100  mil habitantes —, não há um laboratório de química e biologia. Muitas  das análises são viabilizadas por convênios com a Universidade Federal  alagoana, onde, dias atrás, foram encontradas amostras de DNA em estado  inadequado de conservação. Presidente da Associação dos Peritos  Criminais do estado, Paulo Rogério da Silva Ferreira ressalta a  desmotivação dos profissionais. “Não adianta ter um laboratório de CSI  com peritos altamente desestimulados em função dos baixos salários”,  diz.

A variação no Brasil é enorme. Enquanto em alguns estados o  contracheque inicial mal ultrapassa os R$ 3 mil, no DF, começa em R$  13,3 mil. Em comum, todos os setores de perícia do país têm a queixa de  baixo efetivo. “A gente começa a trabalhar com os casos 30 ou 60 dias  depois, devido ao acúmulo de trabalho. Quando é um flagrante, com um réu  preso, passamos na frente”, conta Luiz Sérgio Henriques, perito  criminal em Brasília.

Impunidade

O apagão dos setores de  perícia no Brasil leva inevitavelmente à impunidade. De cada 10  inquéritos de homicídio doloso, menos de dois terminam na denúncia de  algum suspeito. A maior parte, 80%, acaba arquivada. Mas esse é o  retrato apenas dos 28.864 processos abertos até 2007 que já foram  finalizados, dentro da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança  Pública (Enasp), uma iniciativa do Ministério da Justiça e dos conselhos  nacionais do Ministério Público (CNMP) e de Justiça (CNJ), para zerar  esse estoque de inquéritos. Há ainda 114.504 parados nos escaninhos das  delegacias. Conhecer essa realidade, para Taís Ferraz, conselheira do  CNMP, já é um dado positivo. “A dificuldade de finalizá-los vem de  muitos fatores, inclusive da situação estrutural da investigação no país  e da falta de integração dos órgãos envolvidos”, afirma Taís.

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