Lei de responsabilidade social pelas enchentes

Apesar do clamor popular após as enchentes do último ano, seguido da promessa de pesados investimentos em prevenção por parte das autoridades em geral, já ficou claro que não se realizou o suficiente para evitar novas tragédias

Wadih Damous – Presidente da OAB do Rio de Janeiro- Correio Braziliense

Um ano  já se passou desde as tragédias ocasionadas pelas intensas chuvas que  assolaram a Região Serrana do Rio de Janeiro. A esperança de que  notícias como essa nunca mais dominassem as manchetes dos noticiários,  infelizmente, foi frustrada neste início de ano. O país inteiro  acompanha, com apreensão, as enchentes em diversas partes da Região  Sudeste. Desta vez, não apenas a Região Serrana vem sendo afetada, mas  também diversos municípios do noroeste fluminense e dos estados de Minas  Gerais e Espírito Santo.

Apesar do clamor popular após as  enchentes do último ano, seguido da promessa de pesados investimentos em  prevenção por parte das autoridades em geral, já ficou claro que não se  realizou o suficiente para evitar novas tragédias. Ao contrário,  conforme amplamente noticiado, o governo estadual publicou no orçamento  verba de R$ 209 milhões para reassentar moradores de áreas de risco.  Exibida a comprovação oficial de que nenhum centavo foi empenhado com  essa finalidade, ouvimos agora na tevê explicação do secretário de Obras  de que o dinheiro prometido não existia. Havia só negociação com a  União.

A imprensa também noticiou que o Ministério da Integração  Nacional listara 56 municípios do Sul e do Sudeste como prioritários  para ações de prevenção para desastres naturais, com o Rio à frente. Mas  foi Pernambuco, estado do ministro Fernando Bezerra, o maior  beneficiário dos recursos. O titular da pasta nega uso político das  verbas e diz que sua terra natal havia sofrido com uma grave enchente em  2010. Apenas recentemente, uma comissão formada por cinco ministros  apresentou à presidente Dilma Rousseff um plano para minimizar as  consequências das atuais enchentes.

Enquanto acusações pipocam no  noticiário, populações continuam em sobressalto. Em Nova Friburgo (RJ),  onde um prefeito foi afastado sob acusação de improbidade e o atual  admite não ter condições de fazer muito, vive-se o medo outra vez. O  governo estadual ainda não pagou indenização às famílias pela  desapropriação de suas casas. A construção de novas moradias está  prometida, mas prevê-se prazo de um ano para obras de infraestrutura.  Sem alternativa, pessoas estão voltando a ocupar áreas de risco na  Região Serrana.

Os três níveis de poder têm se mostrado incapazes  de prevenir e reparar as consequências das enchentes. Como já se tornou  tradição, consumadas as tragédias, procuram-se culpados e anunciam-se  providências que nunca são levadas a cabo. Até a próxima temporada de  chuvas, ninguém se lembrará de cobrar as autoridades e forma-se um  perverso ciclo de impunidade.

Por conta dessa lamentável e trágica  situação, a OAB-RJ submeterá à bancada federal do Rio de Janeiro a  proposta de nova lei, que chamamos de “lei de responsabilidade social  para prevenção de desastres naturais”. Parte-se da ideia de que, quando  se trata de evitar tragédias humanas, prevenção é essencial.  Pretendemos, em suma, com esse projeto de lei: (i) criar repasse  obrigatório, da União para os Estados, Municípios e Distrito Federal, de  verba vinculada à prevenção de desastres naturais, cuja divisão entre  tais entes deve se dar de forma objetiva, por meio de decreto  presidencial; (ii) estabelecer medidas específicas de prevenção, tais  como a delimitação e transferência de moradias em áreas de risco,  reflorestamento, instalação de equipamentos de monitoramento  geoclimático, bem como obras de engenharia tendentes a melhorar o  escoamento da água, evitar deslizamento de encostas etc.; (iii) a  obrigatoriedade de envio, por parte do chefe do Poder Executivo de cada  ente que receber as verbas, de relatório circunstanciado da aplicação de  tais verbas na prevenção de desastres naturais a diversos órgãos de  fiscalização; (iv) Por fim, mas não menos importante, a tipificação do  crime de responsabilidade para o agente público que descumprir qualquer  das determinações contidas nas disposições anteriores.

Entendemos  que uma legislação rígida como essa, que vincule verbas da União à  aplicação em prevenção de desastres naturais, bem como responsabilize  diretamente o agente público que, por qualquer motivo, deixe de cumprir  tais determinações, pode ser importante ferramenta para que não se  repitam as mesmas imagens que hoje inundam o noticiário nacional. Não se  pode admitir que interesses políticos se sobreponham à manutenção da  vida e da dignidade de milhares de brasileiros que vivem em áreas de  risco. Reiteramos, portanto, a necessidade da aprovação, o quanto antes,  de tal projeto de lei.

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