JERÔNIMO ROBERTO, um magistrado na forma da LEI

Coaracy Fonseca- é promotor de Justiça

O Brasil vive um momento de grande convulsão política e social e, a tudo isso, eu acrescento a insegurança jurídica. Depois de muito tempo, já no caminho da senilidade, passei a compreender que o Direito não é ciência, é Poder.

As ferramentas da hermenêutica encontram-se no estado da arte e concretizam um enunciado que, em si, nada diz, apenas aponta indícios do que deve ser.

Passei a minha juventude e grande parte da minha maturidade acreditando no Direito, debruçado sobre grandes tratadistas do direito público, mais precisamente dedicando-me aos direitos penal, administrativo e constitucional, na esperança de fazer Justiça, através do Direito.

Fui levado, por esses dias, à leitura do profeta Isaias (32, 15-17), que diz: “o direito habitará no deserto e a justiça morará no VERGEL. O fruto da justiça será a paz, e a obra da justiça consistirá na tranquilidade e na segurança para sempre”.

Mas para que serve, então, uma Carta Constitucional das mais belas do mundo civilizado, que traz nos seus primeiros artigos um verdadeiro escudo contra as investidas truculentas dos administradores arbitrários, dos senhores da corrupção, dos detentores do poder econômico e político, estes últimos que não se submetem à ordem jurídica por eles mesmos criada?

Ferdinand Lassalle certamente diria tratar-se de uma mera folha de papel.

Hoje ao conversar com um grande Magistrado, fiz referência à passagem inesperada do Dr. Jerônimo Roberto. – Um Magistrado honesto, mas difícil de conviver, disse-me o meu interlocutor.

Veio-me à mente as palavras de um autor espanhol: tenha mais medo do homem que enrubesce e cala diante dos fatos da vida do que do homem que se enerva, pois o primeiro aguardará a oportunidade para apunhalá-lo pelas costas, pois o sadismo e a covardia fazem parte de seu espírito dilacerado.

Jerônimo Roberto era um homem valente e de temperamento forte; Jerônimo Roberto era um homem honesto; Jerônimo Roberto era um Magistrado de grande cultura jurídica e humanística.

Partiu no momento em que Alagoas mais precisava do seu valor, da sua integridade, pois ao concretizar a LEI o juiz, como ser historicamente situado, leva consigo o seu cabedal de valores e a consistência do seu capital ético.

Um desonesto com a missão de decidir – não raras vezes sem cultura – submete-se facilmente aos encantos do Poder, faz dos dizeres da Lei um regalo para os poderosos, além de ameaça e da própria demolição da dignidade humana.

No regime nazista havia muitos juízes desonestos, servos do Poder.

Veio-me à memória o choro incontido de Evaristo de Moraes Filho, que conheci no vigor da minha juventude, quando perguntei sobre o ícone Magarinos Torres, um símbolo do Salão dos Passos Perdidos, a antessala do Tribunal do Júri da antiga capital federal.

Magarinos era um juiz honesto e bom, e o fato de ser sabedor do Direito era um aporte para exercício da prudência, pois ao magistrado não é dado fazer Justiça, no máximo o que produz é a jurisprudência, calcada na sua integridade intelectual e ética. São esses que merecem o pranto e a saudade do reencontro, o sentimento que se projeta para o porvir.

O Magistrado Jerônimo Roberto não fará mais a boa jurisprudência, mas, sem ressaibos de dúvidas, a ele está reservado um lugar de paz, segurança e traquilidade eterna, pois terá o VERGEL como morada.

Aos seus amigos e admiradores lhes restam a esperança do reencontro e a alegria de tê-lo conhecido nesse imenso deserto da vida, no qual rogamos prudência, valor difícil de encontrar.

2 respostas

  1. Perfeito. Excelente artigo. Se o Direito é a arte do bom e do justo, segundo Celso, citado por Ulpiano no Digesto,”Ius est ars boni et aequi”, Jerônimo Roberto, em sua trajetória cumpriu sua missão fazendo do Direito um instrumento para produzir equidade e justiça, quer como cidadão, professor ou magistrado.

  2. Parabéns Dr Coaracy, pela brilhante homenagem! Tive o privilégio de conviver com o amigo, Jerônimo, frequentar sua residência e, nos momentos de lazer, conversar, dentre tantos assuntos, principalmente sobre a música, em especial a italiana, sua preferida! Homem íntegro, honesto, justo e muito amigo dos verdadeiros amigos! Partiu, precocemente, no momento em que a nossa justiça necessita muito de homens do seu quilate! Descanse em paz, amigo Jerônimo!

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