Jailton Lira: Sindicato, democracia e coerência política

 

Jailton Lira*

As ameaças constantes contra a soberania nacional e o próprio modelo de democracia brasileira são evidências sobre as quais todos/as precisamos nos posicionar, sob pena de grave omissão ética e política nesses tempos de obscuridade que estamos atravessando. Não há dúvidas de que é necessário construir uma frente ampla em defesa da educação brasileira, da liberdade de cátedra docente, da liberdade de opinião e expressão, da previdência pública e fundamentalmente da educação pública. Estes temas devem estar no horizonte de todos àqueles/as que se apresentam como defensores de uma sociedade igualitária, democrática e plural, bandeiras comuns que devem unificam os setores progressistas.

Contudo, é preciso problematizar essas questões no plano concreto e defendê-las em práticas e ações cotidianas. No discurso, cabe qualquer coisa, por mais que esses discursos sejam completamente incoerentes com as teses defendidas por alguns segmentos, como por exemplo, defender as universidades públicas contra os cortes orçamentários atuais e se omitir quando milhares de servidores tiveram parte dos seus salários cortados (como ocorreu na UFAL), ou lutar pela autonomia universitária ao mesmo tempo em que aceitam a submissão passiva da Universidade aos organismos de controle. Na experiência da atividade profissional e atuando em órgãos colegiados de fiscalização ao longo dos anos, tenho verificado esse tipo de comportamento com bastante frequência.

Era assim quando participei da direção do Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Alagoas (SINTEAL), sempre que as ações de enfrentamento em defesa dos direitos trabalhistas dos profissionais da educação se contrapunham aos ataques de gestões que se apresentavam como progressistas, oportunidades em que o sindicato era taxado de oportunista, acusado de atuar com base em interesses “políticos”, servindo à forças de direita e reacionárias, na ótica destes acusadores. Evidentemente, é impossível se pensar em ações que não sejam políticas – a ação política é algo inerente à sociabilidade humana, assim como o trabalho -, mas o que chama a atenção é que, já naquela época (ente 2003 e 2012), estas reações que objetivavam desqualificar o papel do sindicato também se originavam de segmentos que se apresentavam como progressistas. Na minha breve passagem pela Central única dos Trabalhadores, no mesmo período, não foi diferente.

Anos depois, quando assumi a presidência do Conselho de Alimentação Escolar e depois do Conselho Municipal de Educação de Maceió, essas reações se repetiram. Lidando com gestões diferentes na Secretaria Municipal de Educação na condução desses órgãos realizando as funções de acompanhamento, fiscalização e controle social, me deparei com as mesmas acusações de sempre, confirmando a regra de que aqueles que estão em posições de gestão se utilizam dos mesmos expedientes para defender os interesses dos gestores públicos que, afinal de contas, lhes nomearam para esses cargos “de confiança”. Ou seja, cumprem à risca a missão que lhes foi designada.

Na presidência da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Alagoas acontece o mesmo fenômeno. Desde de 2017, fomos acusados de oportunistas, de desonestidade política, de pelegos (essa acusação é a mais estranha, posto que os sindicatos “pelegos” defendem os interesses dos patrões contra os trabalhadores e não o contrário) bem como a acusação mais comum de que a direção do sindicato está à disposição das forças da direita para desgastar uma gestão de esquerda. Aqueles que fazem esse tipo de acusação desconhecem os objetivos da atividade sindical ou, conhecendo, se comportam, estes sim, com claro oportunismo político.

Primeiro, porque a ação sindical visa defender os interesses profissionais dos seus associados e isto independe de gestão administrativa do momento. Aliás, esta era a denúncia desses mesmos segmentos ao movimento sindical durante os governos do PT na esfera federal, de não defender os direitos dos trabalhadores contra os ataques do governo federal, “blindando” esses governos tidos como de feição progressistas; não acho essa acusação verdadeira, mas não posso negar que muitos/as companheiros/as diziam mesmo que as investidas de parcela da esquerda contra uma gestão progressista apenas fortaleceria a direita, os oportunistas e os reacionários. Ou seja, a mesma tese de que o “inimigo é outro”. Ocorre que, na realidade concreta, muitas vezes os aliados se comportam de maneira mais virulenta do que os próprios inimigos, como temos observado, por exemplo, no caso recente do governo do estado da Bahia em relação às universidades estaduais.

Para clarear as coisas, acredito que a linha central de ação dos sindicatos deve ser a defesa dos direitos dos trabalhadores em qualquer circunstância, visto que o compromisso das entidades sindicais não é com gestores públicos, mas com seus associados, que elegeram estas direções para fazerem a defesa intransigente dos seus direitos.

A segunda questão importante (que tem relação direta com a argumentação anterior) é que, caso o sindicato atuasse de modo diferente, a acusação de oportunismo político seria plenamente justificada, pois estaria a entidade atuando conforme as conveniências e interesses político-partidários. Não desconheço que muitos são os supostos teóricos da ação das massas e dos sindicatos que fazem estas acusações contra a direção da ADUFAL. Porém, é importante destacar novamente que em teoria tudo é possível: mas a verdade é que a realidade contradiz esses críticos. Curiosamente, nesse ponto, saliento que muitos destes analistas sequer fizeram parte de qualquer organização sindical ou de controle social, restando daí que só conhecem a complexidade destas entidades na esfera teórica, o que não deslegitima a crítica, mas que lhe retira muito da sua organicidade. São militantes de gabinete.

O modo como determinadas personagens se relacionam com a ADUFAL é bastante representativa a respeito das questões estou descrevendo. Quando o sindicato mantem a participação nas lutas gerais como tem feito (contra os cortes da educação, a Lei da Escola sem Partido e a reforma da previdência), os elogios se multiplicam; porém, se as críticas e as ações do sindicato forem ocasionalmente direcionadas às contradições da gestão universitária local, novamente retornam as acusações de oportunismo, interesse político ou pessoal, desonestidade política e até mesmo denominando a direção da entidade de fascista.

A suposição de que as entidades sindicais devem flexibilizar suas críticas às gestões que retiram direitos em razão do caráter ideológico dos que fazem a administração é, sem margens de dúvidas, a verdadeira manifestação de oportunismo político e de autoritarismo, mantendo o mesmo padrão dos críticos de outrora com os quais fui obrigado a ter contato no decorrer desta trajetória mencionada. Com essas observações não estou, logicamente, afirmando que a direção do sindicato é isenta de críticas ou que não tenha cometido erros. Mas os eventuais erros cometidos seguramente não são estes frequentemente apontados por alguns.

O que posso enfatizar é aquilo que a trajetória histórica tem demonstrado: a defesa dos direitos dos trabalhadores não pode escolher ou poupar adversários, visto que não se trata disto. Trata-se da defesa intransigente dos direitos dos trabalhadores, independente do âmbito de ação ou da identidade ideológica que os gestores dizem se identificar. Muito da ação sindical se pauta conforme as posturas das gestões administrativas de proteção ou retirada desses direitos; no primeiro caso, contarão com o firme apoio da direção do sindicato. Agindo de maneira diversa, contarão com a combatividade necessária à defesa dos trabalhadores.

Ao fim, que não restem dúvidas de que estaremos sempre participando das lutas em defesa do Estado democrático de Direito, da democracia, da autonomia universitária e da educação pública, mas sem recuar um milímetro da defesa destas mesmas bandeiras no terreno específico. Isto sim é pautar as ações sindicais com base no princípio da coerência política, estatutária e programática e, sobretudo, horando o compromisso ético com os associados. Oportunismo é exatamente o oposto.

*Presidente da Associação dos Docentes da UFAL.

      

Uma resposta

  1. Gostaria inicialmente de parabenizar nosso presidende Prf Dr, Jailton Lira, pela brilhante e competênte entrevista mostrando equilibrio, firmeza em sua colocações e ao mesmo tempo esclarecendo os recentes ocorridos entre os sindicatos e gestão da Ufal nos cortes das rúbricas, direitos adquiridos ao longos dos anos.

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