Repórter Nordeste

Investindo no futuro: Sonda dá R$ 400 mil a garoto de 14 anos

Zero Hora

Foto: Ricardo Duarte / Agencia RBS

A história de Lincoln, o guri que ganhou R$ 400 mil para manter vinculação com o empresário Delcir Sonda, expõe o tratamento dos agenciadores para com pequenos craques, que desde cedo são tratados como ídolos.

No aniversário dos seus 14 anos, dia 7 de novembro, Lincoln recebeu de presente três camisetas de grife cara para o seu bolso, um mimo mais do que atraente para um garoto de sua idade. Não foi a mãe quem o presenteou. Dona Clode Oliveira dos Santos é empregada doméstica, não teria condições para tanto. À noite, o remetente ligou para cumprimentar o aniversariante:

– Parabéns, rapaz. Gostou das camisetas?

– Legal, seu Sonda, obrigado aí pelo presente.

Aí está. Delcir Sonda, o varejista proprietário da rede de supermercados Sonda, que no ano passado faturou R$2 bilhões, o empresário dono de 40% dos direitos econômicos de Neymar, de 50% de Paulo Henrique Ganso e de parte de D’Alessandro, preocupou-se em ligar ao menino de seu escritório em São Paulo. Aliás, Sonda tem ligado com frequência.
Há cinco meses, quando ainda desfrutava de seus 13 anos, Lincoln recebeu uma bolada de R$ 400 mil para se vincular ao empresário. Além disso, ele e sua mãe embolsam uma ajuda de custo de R$ 6 mil mensais. Lincoln se tornou uma espécie de Neymar do Sul. É um garoto que veste a 10 no time juvenil do Grêmio. Pulou uma categoria, devido ao futebol bem superior ao de seus colegas, e se tornou o primeiro jogador do declaradamente colorado Sonda no grupo do Grêmio.

A aproximação foi de cinema. Em uma tarde do inverno deste ano, dois carros importados interromperam a ruela onde moravam na parada 13 do bairro Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre. Foi um acontecimento na vila. Os vizinhos saíram à rua e aqueles senhores engravatados entraram na casa da dona Clode.

– De repente, havia carrões na frente da minha casa e a vila passou a comentar: “Ou é traficante, ou a faxineira e seu filho estão ganhando muito dinheiro” – disse Clode, referindo-se a si mesma, uma negra de 56 anos, aposentada com salário mínimo mas com o estado de espírito afiado.

Após o acerto na casa de Lincoln, o administrador Guilherme Miranda, sócio de Sonda no ramo esportivo da corporação, colocou o garoto recém-contratado com o celular direto com Delcir, que estava em São Paulo.

– Como é que estão as coisas? Deram tudo que você queria?

Lincoln gaguejou uma resposta, e Sonda falou com dona Clode:

– De hoje em diante, o pai do seu filho sou eu.

Dona Clode, que perdera o marido por doença três anos atrás, desconcertou-se. Mas logo se alinhou. Com a mesada de Sonda, Clode trocou a vila pelo aluguel de um apartamento de três dormitórios e garagem no bairro Santana. Tinha de morar perto do Olímpico. Dos R$ 400 mil, a família gastou cerca de R$50 mil com dois carros usados, um Mercedes Classe A e uma Besta. A van serve para transportar irmãos, primos, tias e sobrinhos na conexão entre o pessoal que ainda restou morando na Lomba do Pinheiro com os emergentes do bairro Santana.
Os brincos de prata e o boné de aba reta, Lincoln comprou com o dinheiro das mesadas. Mas o laptop, o smartphone, o iPad e o relógio de grife são presentes de Sonda. A qualquer hora poderá receber o iPhone 5. Se quiser uma televisão nova, o guri tem a liberdade de falar para Guilherme, que retransmite a Sonda. Na parada 3, onde se criou, na Vila Mapa, Lincoln cada vez mais raramente visita os primos e amigos devido a convocações a seleções. Quando aparece, cumprimenta a vila inteira, a maioria parentes. Porta dois celulares na mão.

O apartamento e o condomínio estão ficando caros demais. Gasta R$ 2,3 mil. Numa próxima oportunidade, a família pretende negociar a aquisição de uma casa.

– O Sonda vai ter que dar um jeito nisso – arriscou dona Clode, meio brincando, meio séria.

Os Oliveira dos Santos sempre moraram em casa com os sete filhos e outros parentes. Lincoln criou o hábito de fazer e jogar com bolas com papel, plástico, jornal, pé de meia. Agora, no apartamento, de tanto acertar a parede com seus voleios no último mês pagaram multa de R$ 300 ao condomínio.

O próximo sonho é o veraneio. Lincoln quer a mesma praia dos amigos:

– Cidreira é muito tri.

Dona Clode, porém, quer viajar, alugar uma casa em Torres:

– Na hora certa o Sonda saberá.

Não será difícil. Quando não Guilherme, o próprio Sonda dá um tempo na gerência de suas 31 lojas de supermercados em São Paulo e leva o garoto para almoçar no shopping em Porto Alegre. Tantos paparicos servem para manter o garoto satisfeito e vasculhar sobre o rendimento. Se o guri é responsável e cumpre com suas obrigações em campo, pelo método Sonda, ele tem direito a regalias para se manter com a empresa.

Foi por insatisfação que o meia-esquerda promissor deixou o seu antigo empresário, Fabiano Carpegiani, que lhe pagava R$ 400 de ajuda de custo. Depois de acertado com Sonda, um outro empresário ofereceu-lhe o dobro. Mas Lincoln e dona Clode recusaram. A briga pelo craque é encarniçada.

Um outro garoto, Fernando Amorim, 17 anos, saiu para o Lyon sem o controle do Inter. O clube francês teve dificuldade de registro, e Sonda o repatriou ao Beira-Rio. Ficou com 30% dos direitos, o Inter, com 50%, e família manteve seus 20%.

Desde 2006, o gaúcho de Erechim desagua parte de sua riqueza no futebol. Sua grande tacada foi quando pagou US$ 250 mil por 25% da multa do zagueiro Breno, do São Paulo, e, seis meses depois, faturou US$ 5,7 milhões com a venda ao Bayern de Munique. Breno é aquele que colocou fogo em casa e está preso na Alemanha. Sonda é aquele que embolsou 2.280% nesse negócio – 23 vezes o valor investido. Em seis meses.

Não à toa surgiu a DIS Esportes (Delcir, Idi, seu irmão, e Sonda). No seu negócio mais rumoroso, está por botar a mão em 14 milhões de euros numa transferência de Neymar. Para quem empregou US$ 5,3 milhões em 2008, nada mal. Não há bolsa de valores que valorize tanto.

A DIS mantém 10 funcionários em escritório no Itaim-Bibi, elegante bairro da capital paulista. Executa 15 operações por ano e administra a carreira de 50 jogadores – já foram 70. O faturamento é mistério, mas a empresa é dona de 50% dos seus representados, em média.

– Estamos reduzindo o portfólio, muita gente não tem retorno. Com menos jogadores, damos melhor atenção para cada um – disse Guilherme Miranda.

Em Porto Alegre, desde 2009 a empresa mantém um duplex de escritório em edifício comercial na Rua Padre Chagas, bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre. É onde trata dos 10% dos direitos de D’Alessandro e Kleber, do Inter, e de outros jogadores da base do Beira-Rio. Lincoln é o primeiro gremista.

– Meus planos? Aos 17 anos, serei titular do time principal do Grêmio. Quer mais? Vou ser o melhor jogador do mundo! – projeta Lincoln.

Um outro empresário, Paulo Roberto Coelho, não recomenda tantos regalos aos garotos. Se o menino perde o foco, cai tudo por terra e todos perdem. Mas Lincoln não parece ser o caso: acorda cedo e faz corridas por conta própria. Dias atrás, ele andava com um mal estar na “postera”, como chamam o músculo posterior da perna. Dona Clode, filha de Oxum, sugeriu levá-lo para uns passes no terreiro – ao que Lincoln arregalou os olhos e falou:

– Os médicos sabem, mãe.

No início de novembro, o olheiro Ari Trindade, aguardava no pátio do Olímpico a informação sobre o calendário das categorias de base no fim de ano. Seu Ari é ligado ao empresário Gilmar Veloz e dependia do esquema de reapresentação dos guris para marcar passagens. Calculava comprar 26 passagens de avião, de ida e volta, para seus garotos visitarem a casa no Natal. A maioria é gente do Nordeste.

_ Eu descubro os guris nos campos, encaminho para a empresa (de Gilmar Veloz) e depois a gente os trata como filhos _ explicou Trindade, ele mesmo o homem que revelou o atacante Leandro, do Grêmio.

Em um outro dia, Trindade foi ao Olímpico para almoçar com três dos pupilos de Veloz. A rotina parece a mesma, meio empresário, meio tutor, meio pai.

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