Uma investigação revelou que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) desembolsou cerca de R$ 5,9 bilhões em 2024 para o pagamento do seguro-defeso — benefício destinado a pescadores artesanais no período de proibição da pesca — com indícios graves de fraudes. Municípios da região Norte, especialmente no Pará e no Maranhão, concentram beneficiários que não exercem a atividade pesqueira, em um esquema que ficou conhecido como o dos “pescadores-fantasma”.
A apuração é do Portal UOL, assinada por Natália Portinari em conjunto com Aguirre Talento.
Em Mocajuba (PA), por exemplo, o número de pescadores cadastrados no programa chega a 14,7 mil, quase igual ao total da população adulta da cidade. A discrepância se repete em outras localidades como São Sebastião da Boa Vista (PA), Cedral (MA) e Nova Olinda do Maranhão (MA), onde o volume de pessoas inscritas no programa supera até 30% da população local.
Além da disparidade demográfica, dados de produtividade pesqueira levantam mais suspeitas. Apesar de concentrar grande parte dos pagamentos, o Maranhão aparece apenas como o sexto maior produtor de pescado do país, atrás de estados com menos beneficiários. O Pará, segundo maior produtor, também apresenta números incompatíveis com o volume de pagamentos.
De acordo com a apuração, colônias e federações de pescadores teriam papel central no esquema, cobrando taxas dos beneficiários e, em alguns casos, retendo até 50% do valor recebido. Também foram identificados acessos indevidos a sistemas do Ministério da Pesca e do INSS, com o uso de senhas de servidores para habilitar cadastros fraudulentos.
Diante da suspeita de fraudes, o governo federal anunciou novas medidas de controle: a partir de 25 de junho, será exigida validação biométrica dos beneficiários e o cruzamento de dados com outros registros oficiais. Também passa a ser obrigatória a homologação das prefeituras para liberação dos pagamentos. O Tribunal de Contas da União (TCU) está conduzindo uma auditoria sobre o caso, que ainda está sob sigilo.
Fraudes nesse benefício não são novidade. Em 2015, a Operação Enredados, da Polícia Federal, já havia revelado um prejuízo semelhante ao atual: cerca de R$ 5,9 bilhões foram pagos indevidamente entre 2013 e 2014. À época, cerca de 66% dos benefícios auditados eram irregulares.
Representantes do setor, como o presidente da Confederação Brasileira da Pesca e Aquicultura (CBPA), Abrão Lincoln, negam as irregularidades e criticam as novas exigências do governo, alegando que dificultarão o acesso de pescadores reais ao benefício.