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IML: o casarão aos pedaços que facilita a impunidade em Alagoas

Odilon Rios
reporternordeste.com.br

Um casarão condenado, infecto. Os vivos reclamam, os mortos se calam. O prédio do Instituto Médico Legal Estácio de Lima (IML), no bairro do Prado, em Maceió, é o resumo de anos de descaso do poder público com a Medicina Legal. Superlotada, a geladeira não tem condições de guardar corpos; o cheiro insuportável nos corredores é um desafio aos funcionários.

Há 80 anos, quando o prédio foi emprestado pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), o Estado não tinha a condição atual: o lugar mais violento do Brasil. Em dez anos, a violência explodiu em Alagoas. E o velho IML- de lugar improvisado- virou um depósito de problemas.

Exatamente um ano atrás, a promotora Karla Padilha, do Ministério Público Estadual, pediu a interdição do instituto. Além de ameaçar a saúde da população local, mil laudos periciais estavam “encalhados”. Havia ainda indícios de que médicos e peritos embolsavam o dinheiro destinado a cursos de atualização sem frequentá-los.

“Ali, a imagem parece a de um filme de terror”, disse a promotora sobre o local onde o MP constatou “sujeira, podridão, descaso e abandono total”. O líquido que escorre dos corpos, nas autópsias, é despejado na rede pública de saneamento, e restos de cadáveres são jogados no lixo, que tem destino ignorado.

No IML, não existe raio-X para a identificação de balas ou a averiguação de casos de tortura. O prédio funciona sem licenciamento ambiental e foi condenado pela Vigilância Sanitária por ameaçar a saúde dos funcionários. Há riscos de choques elétricos e desabamento.

Problemas sem fim

E, com tantos problemas, a crise novamente explodiu esta semana.

O delegado da Polícia Civil de Viçosa, Belmiro Cavalcante, enviou um cadáver desenterrado para necrópsia no maior hospital público do Estado. O modelo Eric Ferraz foi sepultado com cinco balas no corpo porque o Instituto Médico Legal (IML) nunca teve um aparelho de raio-X e o médico legista não teve tempo de executar o procedimento. A Justiça determinou a necrópsia por haver a suspeita de que a vítima tenha sido morta com duas armas.

“Isso é um absurdo. Vamos solicitar uma intervenção imediata de todos os órgãos competentes. Não se pode levar um corpo para exumação em um hospital. É mudar a ordem das coisas. Há pessoas vivas e doentes nos corredores do hospital. Há riscos para as vidas”, disse o presidente do Conselho Regional de Medicina, Fernando Pedrosa.

Segundo funcionários do Hospital Geral do Estado, o corpo passa por exame na tarde desta sexta-feira no necrotério do hospital, com um aparelho de raios-X portátil. “Querem resolver a situação do IML desta forma. Nunca teve um raio-X, nunca houve interesse do Estado em se resolver os seus crimes ou apurá-los com uma Medicina Legal com equipamentos. Não admitimos isso”, afirmou Pedrosa.

Em julho do ano passado, nova crise: peritos do IML jogaram, no lixo, provas que poderiam ajudar as investigações do assassinato da estudante Giovanna Tenório. Ela havia desaparecido e foi encontrada morta no início de junho em um canavial.

O casal Mirella Granconato e Antônio Bandeira foi preso, acusado do crime.

Em 2007, o corpo do servente de pedreiro Carlos Alberto sumiu do instituto. Até hoje, o pai dele, Sebastião dos Santos, procura pelo filho. O corpo dele foi enterrado como indigente, segundo documentos do IML.

O MP, Conselho Estadual de Segurança e peritos buscaram o corpo durante anos, em escavações, mas não localizaram.

Em 1996, os corpos do ex-tesoureiro de campanha de Fernando Collor, Paulo César Farias, e sua namorada, Suzana Marcolino, foram analisados pelo IML, mas, por falta de estrutura, não se descobriu se PC e a namorada foram assassinados ou se ela matou o empresário.

Em 1938, o IML recebeu o corpo do cangaceiro Lampião para perícia. Ele foi morto em Sergipe, transferido para Alagoas, mas, sem estrutura para a perícia da cabeça, ela foi arrancada e levada para Recife.

O Governo promete uma solução: um novo IML, mas a data não é conclusiva. Pode sair este ano ou no próximo. Técnicos do Ministério da Justiça estiveram em Alagoas esta semana. A secretária Nacional de Segurança Pública, Regina Miki, visitou pessoalmente o IML. Saiu de lá apressada e tapando o nariz. A imagem de horror ganhou normalidade, no dia a dia dos alagoanos.

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