Golbery Lessa: Os alagoanos não são particularmente violentos

Os EUA é o único país desenvolvido que possui taxa de homicídio muito alta (6,0 em 2005; o que coloca este país no 27º lugar, numa tabela composta por 91 nações), perdendo para Cuba (5,1 em 2005), que o governo norte-americano identifica como o império da violência

Golbery Lessa- Historiador

Como resultado da perversidade individual, o homicídio acompanha a humanidade desde seus primórdios, contudo já está demonstrado pelos fatos que em países mais desenvolvidos nos quais as políticas de bem-estar social são bem estruturadas as taxas de homicídio apresentam-se irrisórias em relação às taxas de países subdesenvolvidos.

A Suécia e a Holanda, por exemplo, tiveram taxas de 0,9 em 2006 e 0,9 em 2007, respectivamente. O Japão teve uma taxa de 0, 4 em 2007. No ano de 2006, a França apresentou uma taxa de 0,7.

Enquanto isso, os países da América Latina apresentam taxas altíssimas, como as da Guatemala (34,5 em 2006), de El Salvador (50,1 em 2006), da Colômbia (45,4 em 2005) e do Brasil (25,8 em 2005).

Os EUA é o único país desenvolvido que possui taxa de homicídio muito alta (6,0 em 2005; o que coloca este país no 27º lugar, numa tabela composta por 91 nações), perdendo para Cuba (5,1 em 2005), que o governo norte-americano identifica como o império da violência.

A alta taxa norte-americana se explica pelo culto às armas presente no imaginário nacional e pelo caráter limitado das políticas de bem-estar, característica determinada pela exagerada crença no mercado.

Em 2007, Alagoas já era o lugar mais violento do planeta entre aqueles não vitimados por guerra, ostentando uma taxa de homicídio de 59,6 (ultrapassando El Salvador, a nação mais violenta).

A situação de Maceió, no mesmo ano de 2007, era ainda mais absurda, pois a cidade apresentava uma taxa de 97,4.

O próprio inferno na terra.

Esses dados parecem corroborar o clássico estigma colado nos alagoanos a partir de meados do século XX: “povo violento, bárbaro, incivilizado, resolve tudo à bala”.

Na verdade, o alagoano somente começou sua escalada para tornar-se de fato o mais violento dos brasileiros a partir dos anos 1980, quando os principais efeitos econômicos, sociais e políticos do Proálcool começaram a aparecer.

Antes, a taxa de homicídio alagoana não era mais alta do que a da maioria dos estados.

A fama de terra violenta estabeleceu-se a partir do uso ideológico e partidário de alguns episódios políticos particularmente chocantes e suscetíveis de serem explorados de maneira sensacionalista pela imprensa nacional.

Como o militar alagoano Pedro Aurélio de Goes Monteiro foi o segundo homem mais poderoso do Brasil desde a Revolução de 1930 até o final do Estado Novo (1937-45) e atuou para sustentar membros de sua família na liderança do Executivo do estado, a imprensa nacional e local ligada aos seus adversários, principalmente aos liberais conservadores da UDN, usou à exaustão a brutalidade e a falta de tato político de seu irmão, o governador Silvestre Péricles (1947-51), para pintar Alagoas como uma terra barbarizada por uma oligarquia.

O mesmo expediente jornalístico foi usado diante dos conflitos políticos no governo de Muniz Falcão (1956-61), líder também apoiado pelos Goes Monteiro.

As distâncias, a fragilidade da sociedade civil alagoana, as dificuldades de comunicação e os preconceitos existentes contra os imigrantes nordestinos fizeram o resto.

A violência generalizada na política brasileira foi grudada apenas na imagem do povo alagoano e projetada para todos os setores da nossa formação social.

Surgiu uma procura seletiva de episódios de violência no passado de Alagoas e foi construída jornalisticamente uma história do estado baseada em grandes déspotas e episódios trágicos, como o Marechal Floriano Peixoto, que saíra menino de Ipioca para o Rio de Janeiro, e a morte de Lampião por volante alagoana.

O acidente biográfico de Tenório Cavalcanti, o homem da capa preta, ter nascido em Alagoas também foi usado na construção do estigma.
A taxa de homicídios alagoana somente cresceu exponencialmente após a cana-de-açúcar tornar-se a única riqueza importante do estado, o que aconteceu a partir dos anos 1960.

A violência ocorrida anteriormente teve a mesma dimensão da que ocorrera em outros estados.

No primeiro momento, a expansão provocada pelo Proálcool (1975-80) aumentou muito o emprego rural; o resultado foi que o aumento do número de homicídios, provocado pela destruição das antigas formas de produzir e pelo fortalecimento do latifúndio, foi contido numa aceleração “apenas” aritmética.

No segundo momento, com a desaceleração do setor canavieiro, o êxodo rural, a anomia e a violência explodiram. Cumpriu-se, assim, de modo muito prosaico, a reles profecia de que o alagoano seria um povo particularmente violento.

A surrealista violência contemporânea em Alagoas é determinada principalmente pelas radicais restrições que acometem o Estado de Direito democrático, as quais são conseqüências do modelo econômico agro-exportador e das práticas políticas oligárquicas.

A fragmentação das políticas públicas, a desorganização da vida dos pobres, o caos urbano, a fragilidade da sociedade civil, a penúria das instituições culturais, o patrimonialismo no Executivo e no Legislativo, a ineficiência do Judiciário, a impunidade, entre outros graves problemas, explicam a hecatombe de alagoanos, principalmente jovens, que estamos assistindo.

Uma resposta

  1. Penso e conconrdo com o autor do artigo. Os anos 80 produziram essa situação calamitosa porque passa o Estado de Alagoas, os governantes da época não conseguiram dar as respostas a crise que acometeu o estado, havendo uma rotatividade de grupos politicos conservadores que enfretavam as constantes greves dos servidores públicos, em função da alta da inflação e a necessidade de afirmação politica dos grupos de esquerdas. Com este cenário toda uma geração, deixou de ter politicas públicas de qualidade na educação, saúde, infraestrutura, habitação, transporte etc. Os jovens que hoje matam e morrem são os que não tiveram acesso as politicas públicas ou são filhos de pais que também viveram essa nefasta fase da vida politica de Alagoas.

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