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Coaracy Fonseca: Garapa amarga: escravidão e pistolagem no Brasil

Coaracy Fonseca- é promotor de justiça e ex-procurador Geral de Justiça

A campanha abolicionista movimentou diversos segmentos ideológicos no Brasil, como lembra Joaquim Nabuco, esmiuçando as diferenças entre a causa da liberdade nos EUA e em nosso país. Por essas paragens, disse o estadista pernambucano, seria uma verdadeira injustiça pontuar um só destacado ativista.

E, por isso, “As lendas hão de sempre viver como raios de luz na treva amontada do passado, mas a beleza delas não está em sua verdade, que é sempre pequena; está no esforço que a humanidade faz para assim reter alguns episódios de uma vida tão extensa que para abrangê-la não há memória possível.”

Dizia isso, Nabuco, nos idos de 1879 e 1880.

Que bom seria que a escravidão tivesse, de fato, sido abolida no Brasil.

Estatísticas recentes do Ministério do Trabalho dão conta do grande número de cidadãos brasileiros sujeitos à escravidão e, o que é pior, as fiscalizações têm diminuído em relação aos anos anteriores, são dados de 2018.

A escravidão branca, negra e mulata dissemina-se pelos mais diversos Estados da federação, sem se observar, na prática, além das notícias nos jornais, uma punição efetiva dos responsáveis, apesar de crime tipificado no Código Penal, cuja competência é da Justiça Federal, segundo decisões recentes do STF.

Os “coronéis” continuam livres, como se blindados pelas chapas redobradas do dinheiro e do poder político. O saudoso ministro do STF, Vitor Nunes Leal, em obra clássica e ousada, chega a afirmar que “à medida que aumenta a eficácia do mecanismo judiciário e policial dos Estados, mais subordinada ao poder se torna essa magistratura oficiosa, reforçando o governismo dos chefes locais.”

E complementa, ao referir-se ao aparato de segurança pública: “com instruções para “fazer justiça” aos amigos e “aplicar a lei” aos adversários. Daí a ligação indissolúvel que existe entre o “coronelismo” e a organização policial.”

Nesse passo, surge a indagação: o que tudo isso tem a ver com a pistolagem? Para isso, recorre-se aos estudos de César Barreira, que aduz: “É muito difícil a modelação social dos indivíduos, principalmente de setores pertencentes à classe dominante no processo civilizador. Tais setores possuem sólidas raízes fincadas em práticas violentas nas resoluções de conflitos interpessoais ou na manutenção do poder econômico e do poder político (…) a exemplo do Pacto dos Coronéis.”

Poder político, escravidão e pistolagem se misturam e, em certas regiões do país, são elementos determinantes para o domínio da máquina estatal, através do cooptação de servidores que ocupam postos de comando no aparelho do Estado.

Nesses espaços surgem as grandes negociatas, tão reverberadas pela Polícia Federal. Num exercício de imaginação, meras conjecturas, grandes sonegadores são “perdoados”, e parte de tais recursos são investidos em campanhas políticas ou em troca de votos de cativeiro, sem qualquer punição.

Noutro giro, na era do politicamente correto, entra em cena a legislação simbólica, como se observa do art.243, da Constituição Federal, que prevê o confisco de terras, cujos proprietários se valem de trabalho escravo.

Tudo isso para inglês ver, pois em 25 anos de carreira nunca vi um escravagista pós-moderno ser punido, e também grandes responsáveis por crimes de mando, cujas investigações são sempre inconclusas.

Ah, para não ser injusto lembro-me do caso de Hidelbrando Pascal, o deputado da motosserra, mas neste caso existem outras variantes.

Mas como sou um incorrigível otimista, espero um dia ver a punição de um grande sonegador, escravagista e suspeito de crimes de mando no Brasil, pois acredito no Poder Judiciário e no idealismo do Ministério Público brasileiro.

Sem dúvidas, a sociedade, mesmo sob o signo do medo, irá aplaudir em silêncio.

Como disse um alagoano ilustre: “tenha sempre fé no Direito e na Justiça mesmo que o mundo todo esteja contra ti”.

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