Futurismo distópico: o Iplan e a cidade neoliberal

Por Silvio Rodrigo

O termo “cidade inteligente” – Smart City na língua inglesa – representa uma tendência em abordar as cidades contemporâneas em alguns pilares fundamentais: a gestão de dados e informação, o uso das tecnologias e softwares e a orientação “modernizante” para a praticidade na resolução de problemas urbanos.

Nesta abordagem urbanística, a inteligência estaria aliada à lógica da modernidade digital, ao uso de tecnologias inovadoras para a sustentabilidade ou que viabilizem a construção de um universo urbano para o movimento e fluxos de pessoas em uma ordem simétrica e equânime de oportunidades, que garantam acessos ilimitados ao mundo “pra frente” do engodo neoliberal.

A cidade do futuro, portanto, engaja urbanistas, cientistas sociais e tecnocratas das cidades com a gestão do espaço urbano baseada na complacência ideológica que evita contradições, desigualdades e assimetrias sociopolíticas no território.

No futuro, segundo esta visão, a cidade é um produto em que colaboram os promotores, comunicadores, seguidores e empreendedores ao que parece um desenvolvimento linear, que sobe degrau por degrau para a emergência do mundo digital.

A capital de Alagoas, no entanto, demonstra um cenário cada vez mais preocupante que envolve conflitos pelo/no espaço urbano, apelos por justiça climática e resiliência urbana, déficit habitacional acentuado, racismo ambiental, turismo predatório e especulação imobiliária.

De fato, o que se quer obscurecer a partir desta abordagem são as veias abertas latino-americanas e o ciclo de dependências com avanços e recuos na história.

Esta é a abordagem que tem impulsionado a prática hegemônica e corrente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Maceió (Iplan), na qual vale mais ignorar as questões do presente para impulsionar uma imagem idílica do futuro, já que o passado parece não ter relação nenhuma com o cotidiano maceioense.

Gestores que dormem em berço esplêndido

Sem Plano Diretor, as chances de participação social são nulas, o melhor dos fatos para a lógica do Iplan é não debater sobre nada. A ideia é que as populações maceioenses, com exceção dos empresários e empreiteiras do comércio imobiliário, não têm nada a dizer.

Nas grotas? Obras de contenção de encostas e o mínimo de infraestrutura para ir e vir, que, sem dúvida, são importantes, mas não revelam traquejo de participação social ou democracia urbana, aparecem apenas como a benevolência urbanística clássica dos salvadores aristocratas.

O universo fantasioso e “hightech” da cidade inteligente se limita ao Instagram, modernização interna de serviços burocráticos e administrativos e a intensificação de propaganda política. E os fatos se mostram inquietantes para quem assiste esse espetáculo seja nas ações da ONU-Habitat, em eventos chiquérrimos em países de primeiro mundo.

Mas é questão de ordem: cada um no seu lugar, cada espaço no seu espaço. Enquanto isso, bairros inteiros lidam com enchentes e alagamentos – já esperados e sem solução. Além disso, páginas ordinárias no Instagram brincam com meninos pretos do Vergel tomando banho nas águas sujas do esgoto e dão tom especial para a “imunidade” dos pobres porque estão “mais expostos” aos agentes contaminantes.

É a Maceió escancarada, sem filtros, impulsionada aos retratos públicos e com consentimento dos gestores que não perdem, jamais, os privilégios para dormir em berço esplêndido.

Cidade Inteligente onde? É indústria 4.0 ou turistificação acelerada do espaço urbano expulsando gente “indesejada” para as periferias e grandes aglomerados urbanos ainda sem equidade digital?

O desafio está claro.

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