Francisco: símbolo de humildade para a Igreja

A escolha do papa Jorge Bergoglio pelo nome Francisco pode trazer consigo uma simbologia mais rica do que se supunha.

A referência óbvia é São Francisco de Assis, o santo que viveu no final do século 11, início do século 12, que criou a ordem dos franciscanos, que levava e pregava uma vida despojada e dedicada à fé cristã, que “conversava” com animais e é santo padroeiro da Itália.

Ainda há outros Franciscos proeminentes na Igreja, como São Francisco Xavier, o Apóstolo do Oriente, co-fundador da Companhia de Jesus, jesuíta, como o novo papa, e supermissionário espanhol que nos anos 1500 ajudou a levar o cristianismo à Ásia.

Mas, o porta-voz do Vaticano Federico Lombardi confirmou que a escolha seria uma reverência ao de Assis, e muitos se apressaram em interpretá-la como um sinal de que o pontificado de Bergoglio seria guiado pela vocação evangelizadora, pela modéstia e uma visão da igreja mais próxima do povo.

Humildade

O nome simboliza “miséria, humildade, simplicidade e reconstruir a Igreja Católica”, disse o vaticanista John Allen, da CNN e do portal National Catholic, ou a busca por “justiça social e uma nova evangelização”, como disse ao site All Things Considered, outro especialista americano, Chad Pecknold, professor de teologia da Universidade Católica da América.

A opção foi vista por analistas como um gesto de aproximação de Bergoglio, o primeiro jesuíta a se tornar papa, na direção da Ordem dos Franciscanos, que no passado foram “rivais” dos jesuítas.

Nesse caso, seria um sinal de apelo à união, uma mensagem apropriada após um conclave que foi apresentado ao mundo, principalmente pelos jornais italianos, como uma suposta disputa de poder entre duas facções do Vaticano, uma pró-reforma, outra representando o status quo da Cúria Romana, a máquina administrativa da Igreja.

Todas essas interpretações podem ser ligadas de alguma forma à vida do santo italiano, talvez o mais famoso de todos, com uma vida repleta de eventos e que rivaliza – pelo menos em boas histórias – com a de Jesus Cristo.

Vida despojada

Nascido Francesco di Pietro di Bernardone em 1181 ou 1182, filho de um rico comerciante de roupas da cidade de Assisi, na Umbria, ele resolveu se destituir de suas posses e levar, literalmente, uma vida de pobre, após, aos 22 anos, ter tido uma visão, depois de lutar em guerras como soldado por alguns anos.

Depois de viver com mendigos em Roma, Francesco voltou a Assisi para uma vida dedicada à pregação cristã nas ruas. Nesse período ele teria tido outra visão de Jesus Cristo, que o levou a se dedicar a reconstruir várias igrejas locais. Sua fama e o número de seguidores cresceram, até sua ordem ser reconhecida pelo papa. Francesco também fundou uma ordem para mulheres.

Durante as Cruzadas, ele viajou ao Oriente para tentar converter o sultão do Egito, o que não deu certo. Ele voltou à Assisi, onde continuou pregando, até a morte, em 1226, dois anos depois de ter recebido os sinais da stigmata – os ferimentos de Cristo na cruz.

Dois anos depois de sua morte, ele foi canonizado, e vários espisódios sobre sua vida ganharam espaço privilegiado nas escolas católicas, como as que contam que ele conversava com pássaros e outros animais.

O que poucos sabem é que ele gostava de cantar, e seus versos – escritos em dialeto popular e não em latim – são respeitados nos círculos literários.

A imagem de “‘trovador de Deus’ não é falsa”, diz o historiador frei dominicano Augustine Thompson ao site da organização católica americana Our Sunday Visitor (OSV). Thompson lançou uma biografia,Francis of Assisi (pela Cornell University Press), baseada em extensas pesquisas dos primeiros documentos da Idade Média a falarem sobre o santo, inclusive os textos escritos pelo próprio sujeito do estudo.

Atormentado

Thompson decobriu um “católico devoto”, uma pessoa “muito mais complexa do que se supunha”, “atormentada por demônios interiores” e “sobrecarregada pelos desafios de governar um movimento religioso”.

Francisco “atravessava noites sombrias da alma quando se sentia inadequado”, disse disse Thompson ao OSV. “(Ele) não é o santo cercado de pássaros, não é alguém que nunca descobriu estar errado sobre alguma coisa ou que nunca duvidou de si mesmo.”

“Ele tinha uma psique frágil, carregava consigo vários demônios…Ele lutou com os horrores de batalhas que testemunhou. Não gosto de usar psicologia em alguém que viveu há 800 anos, mas ele era claramente traumatizado pelo tempo em que foi militar”.

Mas, era também um santo que “adorava cantar em francês ruim e tocar seu violino imaginário”, disse Tompson.

Como se vê, esse Francisco, reconstrutor de igrejas, pacificador, de índole evangelizadora, amigo da natureza, do meio ambiente, das mulheres e dos pobres, a personificação da fé – mas também o poeta do povo, traumatizado pelos horrores da guerra, que gosta de cantar -parece mesmo ser um bom nome para um papa que busca inspirar fiéis e não fiéis.

Tão bom que se pergunta por que não foi usado antes.

As informações são da BBC Brasil

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