George Santoro é secretário estadual de Fazenda de Alagoas
Renê de Oliveira Garcia Junior é secretário estadual da Fazenda do Paraná
Nos últimos anos, a complexa conjuntura econômica que assolou o país, e o mundo, elevou a taxa da inflação e permitiu significativa melhora das receitas públicas, tanto para o governo federal quanto para os estados. Embora, num primeiro momento, essa melhora se traduza em bons resultados fiscais, na sequência o ajuste monetário também atinge as despesas, revelando as-sim a natureza não estrutural dos resultados observados anteriormente.
Muitos estados viram a arrecadação cres-cer com o ICMS, seu principal imposto, que representa 80% da receita tributária total —situação que permitiu resultados fiscais positivos no período pós-pandemia. Contudo é fundamental apontar que a melhora do caixa proporcionada por esses aumentos deverá ser usada para fazer frente a obriga-ções futuras, assim como garantir a conti-nuidade dos investimentos, programas e políticas públicas.
Essa ponderação se torna particular-mente importante devido aos impactos da Lei Complementar 194/2022, que limitou a alíquota de ICMS de gasolina, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo entre 17% e 18%. A medida levou a uma perda real de arrecadação de R$ 45 bilhões no segundo semestre de 2022, segundo levantamento do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz).
Adicionalmente, no caso da energia elétrica, a LC 194 alterou o artigo tercei-ro da Lei Kandir, modificando a apuração de sua base de cálculo.
O ICMS sobre o setor até então era cobrado em cima da totalidade do preço de energia paga pelo consumidor e, com a mudança, passou a não considerar as etapas de transmissão, distribuição e encargos setoriais.
Com isso, a Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD), que engloba também as tarifas de transmissão e parte dos encargos setoriais, deixou de fazer parte da base de cálculo do ICMS.
É importante ressaltar que, em função da complexida-de da separação das diferentes tarifas pa-ra fins de tributação, grande parte dos estados ainda não retirou a TUSD da base de cálculo do ICMS — os verdadeiros impactos fiscais da LC 194 ainda estão sub-dimensionados. Estima-se que a TUSD represente mais de 50% da base tributária do setor.
Em meio a um ambiente com pressões pelo lado da despesa —em que se destacam as demandas por recomposições salariais, correção monetária dos gastos com custeio e aumento do serviço da dívida —vai se criando um claro desequilíbrio estrutural entre receitas e despesas nos estados.
É necessário, portanto, que as discussões entre União e estados avancem para que os impactos dessa reestruturação forçada dos orçamentos estaduais possam ser solucionados com um acordo que não gere desconforto federativo, muito menos risco fiscal para o futuro, criando meca-nismos para acobertar os 27 entes federativos.
Caso contrário, tudo indica que nos próximos anos começaremos um novo ciclo de crise fiscal.
*Publicado originalmente no O Globo