Exemplos arrastam

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“E o que fizeres a um destes pequeninos, é a mim que o fazeis”, Yeshua.

Foi pelas redes sociais, mais especificamente pelo Instagram, que conheci a história que passo a relatar. Na periferia da maior metrópole brasileira e uma das maiores cidades do mundo, São Paulo (SP), vivia um idoso de 78 anos em condição de extrema indigência e necessidade. Morava em uma casa que, por problemas na fiação, não possuía, sequer, luz elétrica. Tampouco água quente, sobretudo para os banhos em dias mais frios. Seu banheiro não possuía chuveiro e ele tomava banho numa espécie de tanque de lavar roupas. Praticamente não havia móveis na residência, razão pela qual ele dormia em um velho e precário sofá. As paredes continham rachaduras, o reboco solto e havia pisos e azulejos soltos.

O homem, “seo” Roberto, filho único, nunca casou e nem teve filhos. Vive, pois, sozinho e depende da caridade alheia. Em tempos rudes como o que vivemos, quem se importa com a dor e as dificuldades do semelhante, ainda mais considerado um “estranho”? Eis a realidade que alcança muitas pessoas, na atualidade, levando muitos a sucumbir diante da ausência do mínimo razoável para uma vida digna.

Quantos, nas redondezas da vizinhança, no caminho para o trabalho ou a escola, se encontram nesta situação? Não estou falando dos pedintes, dos andarilhos, dos que se encontram entregues às ruas, dizimados pela solidão, o abandono, as doenças mentais, as substâncias químicas.

Há um outro contingente que, apesar de entregues à “própria sorte”, vão resistindo bravamente em face do abandono (material e/ou moral) a que se acham submetidos. É a vozinha que tem filhos e netos, mas jamais recebe uma visita. É o vozinho que está distante de todos, porque os parentes se mudaram, por vezes sem até informar o novo endereço. São tios e tias que nunca casaram e que, agora, de mais idade, cansados, sem renda ou sem dinheiro suficiente, agonizam.

Agora neste momento pandêmico, a situação se agrava porque quase todos querem distância das pessoas que não conseguem se manter ou cuidar da higiene e da saúde. E o isolamento, de prudencial vai para obrigatório, como única alternativa possível de sobrevivência.

Não precisamos ser religiosos professos ou membros de igrejas para lembrar dos deveres de atenção para com os pais, avós e parentes mais velhos que nós. Também não é preciso buscar o anteparo da legislação brasileira – que, é verdade, possui um dos diplomas legais mais avançados do planeta em relação à tutela dos direitos dos da madureza, o Estatuto do Idoso (Lei Federal n. 10.741/2003). Até escrevemos uma obra, chamada “Comentários ao Estatuto do Idoso”, publicada pela Editora LTr (que pode ser visto neste link: https://www.ltreditora.com.br/livros/previdencia-social/comentarios-ao-estatuto-do-idoso-2678.html).

O cuidado com os idosos, em nosso mundo ocidental, deriva de antigas prescrições judaicas – especialmente nos “Dez Mandamentos”, escritos por Moisés – que foram absorvidos pela tradição cristã e se espalharam por todo o planeta. Na letra das escrituras, aliás, consta: “Honrai a vosso pai e a vossa mãe”. E, na chamada Cristandade (Cristianismo) o cânone foi dado pelo próprio Yeshua bar Yosef (Jesus, filho de José) que teria declarado, aos discípulos e seguidores repetidas vezes: “Não vim destruir a Lei, mas dar-lhe cumprimento”.

Os “pais e mães” não precisam ser, necessariamente, os biológicos, consanguíneos ou por afinidade (considerando, aqui, a adoção civil ou a adoção de convivência ou do coração). O conceito alcança, em nível e cenário de Sociedade Civil todos aqueles que careçam do (necessário) repouso na velhice. E tal é um DIREITO, o de repousar, devendo a Sociedade e o Estado lhes proverem as necessidades. No âmago desta questão está um fundamento do socialismo humanista, que extravasa meras convenções filosóficas ou políticas e está enraizado (ou, pelo menos, deveria) na própria natureza humana: “O forte deve trabalhar para o fraco; na falta de família, a sociedade deve ampará-lo: é a lei da caridade”.

Implícitos, aí, para TODOS os homens de TODOS os tempos, os deveres de fraternidade, solidariedade e caridade. Não como princípios meramente religiosos. Tampouco como a “salvação” para os indivíduos que buscam um “lugar melhor” após esta existência. Nem como algo que precise de “holofotes”, para ser estampado (apenas e tão-somente) como elemento de valorização pessoal nas redes sociais. Para esta exposição que não tem outro objetivo senão o ato de ser “reconhecido” socialmente, recordemos de outra fala do Rabi: “Não saiba a vossa mão esquerda o que dê a vossa mão direita”.

Retornando à história do início deste ensaio, “seo” Roberto deixou de ser um invisível e tocou o coração dos vizinhos que, de longe, observavam a precariedade e a solidão daquele viver. E resolveram se organizar, primeiro localmente, na vizinhança mesmo, para a arrecadação de recursos para buscar fornecer ao ancião um mínimo de dignidade existencial e o oportuno acolhimento nestes dias “finais” de trajetória por este mundo. Depois, foram além. Idealizaram, pela internet, uma “vaquinha virtual” (na plataforma VOAA), que possibilitou não só a reforma da casa, a troca do mobiliário existente, a compra de outros móveis e eletrodomésticos, o conserto da fiação, a construção de um pequeno (mas adequado, inclusive com os itens de segurança para o idoso) banheiro com um chuveiro de água quente. Foram além, e conseguiram disponibilizar uma cuidadora durante o dia para o velho amigo e rancho semanal de víveres e mantimentos. Além disso, as vizinhas se revezam para, todos os dias, levarem a “quentinha”, no almoço e no jantar, aproveitando para conversar com o ancião e ouvir-lhe as histórias de vida.

Vale dizer que o medo do Coronavírus tinha tornado o “seo” Roberto ainda mais arredio e isolado. Tanto que para ele abrir a porta, nas primeiras vezes, foi a muito custo e com os itens de higiene e segurança epidemiológica recomendados pelas organizações de saúde. Mas ele se convenceu que “almas boas” ali estavam para lhe amparar e assistir.

A velha casa, agora, é um local bem aconchegante. Não só pelos itens materiais, mas, principalmente, pelo calor humano que voltou a habitar naquele lugar. A alegria de viver estes últimos meses e anos de trajetória física possibilitou o retorno de um certo brilho no olhar daquele homem.

Estes exemplos arrastam os corações e mentes daqueles que passam por este mundo compreendendo perfeitamente a transitoriedade da existência física e a razão de estarmos aqui, neste planeta. Se não havia os laços da consanguinidade e da afeição, característica principal das famílias e grupos sociais a que nos afiliamos, presente estava a noção de irmandade espiritual entre todos os homens e o dever de amparo que a solidariedade e a fraternidade, materializadas na caridade (material e moral) possibilita aos “estranhos” do nosso derredor.

Aquele grupo de jovens e maduros, talvez não tão calejados pela vida íngreme do “seo” Roberto, percebeu que com o pouco que fizessem estariam ofertando o muito que ele precisava.

Quantos Robertos existem por aí? Quantos deles estão mais próximos do que imaginamos? Se você não tem recursos disponíveis, tem o tempo a destinar, algumas horas por mês, para alguma ação de amparo e assistência. Se não tem tempo, mas possui alguns recursos, pode observar quantas entidades sérias, no seu bairro ou cidade, se destinam – sem precisar de campanhas de arrecadação – a mitigar as dores alheias. Quem sabe você também não se vincule a alguma dessas iniciativas? Nos momentos mais difíceis, para você, lembre-se que há muitos outros que estão em maior dificuldade.

Deixe-se, então, arrastar pelo exemplo…

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