Execução fiscal: em defesa de nova cultura

Soníria Rocha Campos D’Assunsão- Correio Braziliense

O retrato das execuções fiscais, em todo o país, é alarmante. Representam cerca de 43% das ações em curso e, mensalmente, grande volume de novas ações são ajuizadas, sem que o Judiciário consiga lhes dar vazão.

Segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o tempo médio total de tramitação do processo de execução fiscal é de oito anos, dois meses e nove dias, sem incluir, na contagem, recursos, exceção de pré-executividade, tempo do procedimento administrativo — de quase cinco anos antes do ajuizamento da ação —, que, se considerados, aumentariam o tempo médio de tramitação do processo para 16 anos.

No Distrito Federal, há cerca de 340 mil ações de execução fiscal em tramitação, que representam 52% dos processos de primeira instância, e somam a importância de quase R$ 12 bilhões em dívida ativa ajuizada. Se nenhuma nova ação ingressasse, levaríamos cerca de 20 anos para a solução dos conflitos. Por seu lado, constata-se que a cada R$ 3,50 de tributos recolhidos aos cofres públicos, R$ 1 deixa de ingressar, por inadimplência, o que revela que a tendência é que esse número cresça vertiginosamente.

No âmbito federal, o valor da dívida ativa corresponde à metade do PIB nacional, e a União só consegue recuperar 25,8% da dívida ativa ajuizada. Esses dados, entre outros, demonstram a crise em que se encontra o modelo tradicional de recuperação do crédito público, seja por meio do procedimento administrativo ou do processo judicial. Algo, portanto, urge ser feito.

A Lei de Execução Fiscal, embora moderna para a época, não acompanhou, como é natural, as modificações ocorridas na sociedade. Todavia, alterações pontuais e uma interpretação criativa, com um novo olhar para o processo de execução fiscal, podem torná-la mais célere e efetiva.

O volume de processos e de atos judiciais repetitivos desafia a criação de mecanismos de movimentação em massa. Não se deve supor, entretanto, que a simples transformação dos autos físicos em virtuais resolva todo o problema. Há a errônea ideia de que o processo de execução fiscal “anda sozinho”, sem a necessidade de atuação judicial proativa. Também incorreta é a concepção de que a preocupação da Fazenda Pública deva ser apenas com a citação, para a interrupção da prescrição, e que, a partir de então, todas as agruras do processo e a omissão dos seus atores possam ser imputadas exclusivamente ao Judiciário. Essa é uma confortável posição a ser confrontada.

Deve ser desmistificado o falso pensamento de que a dívida pública executada é praticamente uma recuperação frustrada de crédito: a cultura de ineficiência da execução fiscal. Para tanto, embora há muito se proclame que a conciliação é um mecanismo eficaz de solução de conflitos, pouco dela se tem utilizado na execução fiscal, sobretudo porque se tem em mente a indisponibilidade do crédito público. É preciso haver uma legislação que discipline a transação tributária, levando-se em conta a capacidade econômica do contribuinte/executado e que, ao mesmo tempo, não estimule a inadimplência e/ou a sonegação.

No Distrito Federal, realizamos audiências de conciliação fiscal individuais e coletivas, em que o Judiciário atua como facilitador e mediador da integração e do diálogo com o Poder Executivo, eliminando entraves burocráticos para a solução célere dos conflitos fiscais. Busca-se descongestionar a Vara de Execução Fiscal do seu acúmulo de processos e propiciar a recuperação eficiente do crédito público.

Em razão da aproximação do Estado com o executado, oportunizando-se a sua regularização fiscal, temos constatado o elevado índice de parcelamento e pagamento do débito, na forma da legislação vigente. A conciliação fiscal integrada realiza cidadania tributária, que previne o inadimplemento e novas demandas.

As mudanças necessárias à superação da crise passam por uma mudança essencial: a de mentalidade. Clamamos pela construção de uma nova cultura — a da eficiência da execução fiscal, profundamente comprometida com a realização de justiça fiscal.

O Judiciário tem nas mãos o termômetro dos anseios sociais, razão pela qual deve se adiantar e buscar a colaboração dos outros Poderes, saindo da cômoda neutralidade que, muitas vezes, o envolve, para exercer, cada vez mais, o papel ativo de pacificador social.

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