Contrário em tudo ao arquétipo da arrogância vinculada ao poder, o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica é o herói que conseguiu falar ao recôndito de cada coração, admitindo a finitude corporal como parte do processo existencial ao anunciar que está morrendo e deseja ter o seu descanso respeitado.
Câncer se torna o mal do tempo, e as causas para a formação de tumores são amplamente discutidas. O tratamento pode ser agressivo, mas muitas pessoas conseguem prolongar os dias no planeta utilizando radioterapia, quimioterapia e outras possibilidades. Mas Mujica descobriu que está com metástase, que as células cancerígenas estão espalhadas pelo corpo, e decidiu não buscar o combate, mas aguardar a hora em sua casa, com sua vida preservada da curiosidade alheia.
De Mujica guardaremos frases importantes sobre o uso do tempo, dissociando-o do dinheiro e até mesmo do trabalho exaustivo que nos transforma em meros tarefeiros para o enriquecimento e manutenção da riqueza dos que já são ricos.
Demonstrou que ser político não significa ter necessidade de apropriação e ostentação de riquezas. O símbolo de sua passagem pela complexa política da América Latina é o fusca que nunca valeu menos do que um carro de luxo para ele, mas, ao contrário, serviu para criar uma consciência de resistência no seu país.
A vitória da Frente Ampla no último pleito eleitoral que definiu a presidência do Uruguai fez o líder celebrar a retomada do poder à esquerda, ainda que na condição de centro-esquerda como partido de coalizão.
No mais, a história sempre seguirá. Cada indivíduo a ela agrega energia própria, e quando está na condição de autoridade, por certo a responsabilidade cresce. O bem estar do mundo e suas agonias nunca foram resultados da vontade divina, apenas. Entre todas as explicações, a influência humana tem definido como vivemos.
Defensor da liberdade, da vida igualitária, da democracia e da paz, Pepe Mujica nos confronta com sua força moral escancarando a finitude do corpo como algo natural, um direito de quem lutou contra poderes massificadores e ditaduras, e agora está doente, não tem mais cura e vai morrer.
Como estudiosa espírita não posso me furtar a perceber no exemplo de Pepe Mujica o que tenho abordado como evolução política, acreditando que esta é a verdadeira evolução espiritual.
Algo completamente dissociado de qualquer cantilena religiosa.
Um jeito de viver em associação amorosa com o ser social, cultural, humano, e suas buscas, fragilidades, necessidades e fatalidades, como no caso, é a morte para todos nós.
Neste exato momento histórico, quando o mundo se esfarela entre discursos de arrogantes personagens viris e virais, é um homem doente e consciente do corpo, que impressiona com a força do espírito e assim pede que o deixemos morrer em paz após cumprir na história sua valorosa missão de bem viver.
É da América Latina que se ergue uma voz poderosa no chamado da consciência.
O caminho da evolução está aberto desde sempre mas poucos conseguiram percebê-lo na vivência amorosa com a terra, plantas, animais e pessoas. O mercado é o inferno que traz ao explorado e ao excluído o choro e o ranger de dentes, e se existe céu, ele estampa na consciência a grandeza da humildade.
Que seja assistido por trabalhadores amorosos no agora e no além para que viva um processo sem dor e atravesse o grande portal na hora que a vida o chamar para o ato supremo da renovação.
Feliz será o mundo dos espíritos quando puder aplaudir o retorno do guerreiro socialista.