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Eu só queria que a Braskem indenizasse minha família

Os grandes crimes que afetaram a humanidade foram urdidos em responsabilidades coletivas em tamanha proporção, que tornaram impossível uma punição real, completa e que fizesse valer as noções civilizáveis de justiça.

Diásporas, genocídios, etnocídios, miserabilização crescente, mortes à míngua, crueldade de castas, guerras…

A busca pela punição se perde no cansaço. Assim como a busca por justiça em terra de leis rocambolescas manuseadas por relações venais, também exaure.

Desabafa Natalhinha Marinho, em uma rede social: “O corpo cansa de pedir socorro…”

Artista da música, animadora popular, contadora de histórias, militante em diversas frentes… e ex-moradora de uma das áreas atingidas pela mineração em Maceió, expõe foto de arrepiar com seu instrumento de luta na mão, tomada pela emoção do desterro, da desterritorialização, do descaso, da desclassificação humanitária que a circunstância impõe.

“Essa imagem foi feita para um doc sobre essa tragédia, nessa época ainda era possível acessar a rua que morei”. A tragédia analisada por uma das vítimas, não contém apenas este aspecto em sua natureza social e política, na verdade é crime.

Crime ambiental, social, cultural, histórico; urdido por muitas mãos, assinaturas, carimbos, permissões, conchavos, benefícios, tráfico de influências, fortalecimento do capital.

Capital financeiro, capital político. Sem rosto, sem nome, com CNPJ e corpo jurídico bem pago.  O que é uma sigla diante das perdas?

Uma máscara jurídica, um disfarce político, um chá de piedades distribuído a conta gotas: BRASKEM.

“Estou de frente a casa que um dia foi meu lar”, declara Nathalinha.

Na lista dos que diriam estou de frente ao corpo que um dia foi meu filho, meu pai, minha mãe, minha família na história dos crimes previstos, calculados, financiados e executados por dinheiro e poder.

“Foi tudo condenado nessa parte”. O pedaço que resolveu atrapalhar o turismo da capital em plena alta temporada, no entorno da mina 18, apenas uma entre tantas.

O pedaço condenado que está promovendo mais investimento dos setores turísticos nas redes sociais mostrando o quanto Maceió está esbelta, azul céu e verde esmeralda nesta época colorida, iluminada, para manter aceso o desejo dos consumidores de fora, enquanto por dentro ninguém consegue dormir em paz.

Isso é o comércio de poderes em pleno movimento de manutenção.

A estes setores observo, ao comportamento social imaturo como resultado da forja histórica de alienação sobre interesses reais também passeio o olhar.

Uma condenação geral. Mas ainda existem outros perfis de condenados que não podem usar a insígnia da condenação, são aqueles moradores do entorno problemático que não foram considerados habitantes de área de risco, embora permaneçam nela.

“Minha irmã mora na rua de trás e lá disseram que nada vai acontecer. Ela e várias outras pessoas que ainda esperam alguma resolução vivem isoladas, sem escola, farmácia, padaria…praticamente só tem as casas, porque comerciantes não sobreviveram lá”. Lamenta.

As mesmas instituições, entidades, representações políticas que agora participam da morosidade intencional, serão aquelas que desdobrarão urros de justificativas caso aconteça a consumação do trágico envolvendo a materialidade dessas vidas, porque nos outros aspectos do existir todas as pessoas já foram violentadas e houve até quem não resistiu e de desesperança morreu, sem receber condolências.

A característica dos grandes crimes se revela nos contornos de impunidade.

Precisamos muito mais do que movimentos de rua para lidar com a grandeza voraz destes processos. Politizar é libertar, mas isso somente será possível quando outra força que não a do medo e do desespero guiem nossos movimentos coletivos e individuais nesta sociedade.

“Agora, todo dia, é um pesadelo, pensando que a qualquer momento tudo pode ser engolido”.

Pessoas, esperanças, e memórias de mais um grande crime contra a humanidade.

A frase que Natahalinha Marinho escreveu ainda no início do seu texto, a transcrevemos aqui neste final: “Eu só queria que a #braskemcriminosa indenizasse minha família que ainda vive à margem dessa cidade”.

Confessamos o silêncio profundo que abateu esse instante de escrita, movido por algo mais que cansaço. Talvez um laço de solidariedade que une vítimas de crime por todo mundo nos faça aproximar cuidadosamente dos sofrimentos expostos.

Alguém humanizará o rosto da Braskem?

E os rostos das responsabilidades históricas serão revelados por alguém?

Indenizações parcas…e as mesmas políticas de perversidade persistem.

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