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Eu quero completar 50 anos

Não vou fazer queixas por estar imersa em um contexto de adoecimento e morte no ano em que completarei 50 anos.

Porque a maior saga é exatamente essa: completar 50!

Será?!

Posso rever os aniversários passados e toda aquela pressa que tive em crescer, sem nunca imaginar encontrar este futuro pandêmico, fascista, permeado por relações belicosas.

Alma envelhece se quiser, mas o corpo agora deseja envelhecer. Ter o direito de exibir mãos experientes, rugas marcadas pela passagem do sorriso e nenhuma preocupação com a opinião das amigas sobre a cor do cabelo, o corte, o formato do nariz.

Essa história se me afigura página esquecida, negada, que insiste em exibir sua amarelidão doentia no caminho das gentes que  não desiste de realizar contos em cotidianidades.

Minha identidade mesológica, telúrica, verdejante, repudia o entorno em chamas, fugindo da cinza, da peste, da besta, do negacionismo científico no olho do século XXI.

No ano em que completarei 50 anos a festa foi adiada, o abraço está suspenso e o grito de saudade ampliou sobejamente com o sumiço dos amigos, no luto proeminente erguido sem declinar.

Fantasias tem fortes vínculos com o voto. E se te parece fantasiosa essa minha fala, saiba que Bolsonaro é o fetiche dos recalcados, enrustidos, violentos e assassinos assumidos e disfarçados.

Justo quando imaginei chegar leve e plena ao encontro comunal, o peito pesa, a alma desconfia, o instinto de sobrevivência apartou das relações convencionais.

Chegar aos 50 me custará alguns meses de 2021, esse infame devorador de poetas! Esse trágico amanhecer sem rostos, afagos, afetos. Esse ano de fim de mundo!

Escondida do imbecil sem máscaras, evitando a carola bolsonarista, e escrevendo durante as madrugadas eu sinto o remo do tempo nas forças dos braços, eu sinto que posso passar dos 50.

Mas por enquanto o farol da razão aponta para os lados das cerimônias caseiras, feitas de chás e saladas, bordados e linhas escritas, alimentadas por palavras sazonais.

Que dor, que humor! Desejar tocar esse meio século em mim com a naturalidade de quem chegou da rua e tomou um banho antes de dormir.

Acordar e escrever poesia com o que nos sobra em meio a esta pandemia, genocídio, miserabilidade humanitária global.

Chegar a este ponto não permite recuar.  Eu vou remar, eu vou braçar, vou até lá. Porque neste ano de desenganos eu quero completar os meus 50 anos!

 

 

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