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Espírito, espiritismo, espiritualismo: vida!

O país que me adoece e todos os dias me mata também obriga a construir saídas. Serão túneis cavados com as mãos na subjetividade exposta, para repouso e refazimento na fase aguda de desidratação das esperanças.

Em algum lugar eu vi anotei uma frase que se dizia pertencer à tradição Fula, e mesmo sem conferir se era verdade encontrei riqueza nela e aqui partilho por esperar acreditar mais fortemente que assim seja: “Maayde timminta wonki juutal balde hortinta hakkillê”, ou seja, “A morte não esgota a alma, a duração do tempo não retrai o espírito”.

A beleza da voz espiritualista movimenta ritmos em um coração ferido que se debate para vencer o medo, a sabotagem interna da criação.

Desejo diário de abrir as janelas e sentir o vento entrar, renovando os recantos tingidos pela tristeza, essa indutora de mofo na criatividade que cancela a escrita!

Um dia já pensei que entre as boas coisas que a vida nos possibilita realizar a percepção da nossa integralidade funciona como o peso de um tesouro que a experiência aumenta, mas esta mesma vivência aguça dores esticadas, como verdades pontiagudas que nos ferem, não importando o ângulo de visão.

Eis a batalha íntima com este senso de finitude que engole conquistas sobre as quais debruçamos sono e lágrimas.

Este país que nos consome ainda vivos, levando pouco a pouco a beleza que antes encontrávamos nas praças está desafiando a forças das nossas almas, e por isso hoje eu admito precisar de uma dose maior de espiritualidade em meus toques, ser por essa luz também tocada.

Se enquanto seres humanos jamais retraímos a essência espiritual que nos acende, e esta característica pode nos fazer distinguir as diferentes potências energéticas que aguardam impulso e podem movimentar transformações, junto minhas emoções em preces nesta romaria de degredo político, econômico, cultural, hominal.

Hoje faço parte das massas que se amontoam em busca de um porvir como átomos de uma estrutura social feita de crenças e objetivações, mas preciso acreditar que isso ainda não é tudo.

Porque a morte está levando nossos sorrisos e o medo de perder já invadiu nossas moradas.

Se não for capaz de ouvir minha própria voz falando de vida, estarei imersa na mais bruta hemorragia de mim mesma, esvaindo os patrimônios discursivos em acelerados silêncios improdutivos.

Minha consciência enquanto espírito, onde andará? Ainda arde em mim aquela chama?

Em tombos encontro a questão 88 do Livro dos Espíritos, que pergunta e responde sobre algo que importa saber.

“Os Espíritos têm forma determinada, limitada e constante?”

“Para vós, não, para nós, sim. O Espírito é, se quiserdes, uma chama, um clarão, ou uma centelha etérea”.

Freio o ritmo. Respiro um ar quente e me sinto parte da luz que se traduz em vida.

Enquanto existo em um país que me mata, posso outra vez ouvir a voz assertiva de uma sociologia espírita a dizer que “as posições fortuitas, circunstanciais e passageiras, nem sempre necessárias ou justas, não devem cegar-nos nem criar-nos impedimentos, porque a justiça não se cumpre em um instante de nossa evolução, mas no progresso eterno de nosso espírito”.1

Outra vez percebo a força libertadora que a luz transporta. Não preciso abrir mão da poesia. Pois “mesmo a morte é palingenesia renovadora: só nos parece quietude e estabilidade porque suspende funções que em uma parte mínima do real chamamos “vida”.” 2

Embora não coadune com nenhum tipo de justificativa para a ocorrência do genocídio brasileiro, busco resistir em força íntima na compreensão de que há sempre vida e por essa razão a luta contra a injustiça e o fomento à justiça social devem seguir em pauta.

E não haverá morte dentro de nós, mas um imenso arroubo de luz impulsionando a luta contra os mitos e as sombras.

 

  1. PORTEIRO, Manuel S. Conceito Espírita de Sociologia.
  2. _______________. Espiritismo Dialético.

 

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