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ENTREVISTA: ‘Policia brasileira é o principal agente do extermínio da juventude negra’

Pedro Montenegro, advogado, associado Sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, vê uma diferença entre a pena de morte e a necropolítica no Brasil.

Na pena de morte há um processo legal, julgamento, acusação, defesa, recursos na Justiça. Esta não existe no país.

Diferente da necropolítica, onde se decide quem vive e quem morre. Ou seja: com regras próprias, estabelece quais vidas importam.

Observando o quadro da letalidade policial no país, apresentado no recentemente lançado Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, não seria exagerado afirmar que a policia brasileira é o principal agente do extermínio da juventude negra.

Esta semana, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública voltou a mostrar mortos e os executores destas mortes violentas no Brasil.

E a constatação é cruel: no nosso país, quem mata veste farda.

Veja a entrevista com Pedro Montenegro

De uma vez por todas: as policias são executoras da pena de morte no Brasil?

Não é correto afirmar à existência da pena de morte no Brasil. A pena de morte nas democracias pressupõe a existência do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa e do contraditório, conduzindo por um juiz imparcial, sujeito a diversos tipos de recursos e apelações em instâncias superiores. Somente após o esgotamento de todos os recursos, a pena capital é aplicada por funcionários públicos encarregados de fazer cumprir a decisão.

No Brasil o que nós vivenciamos é a hegemonia da necropolítica, expressão original da obra do filósofo camaronês Achille Mbembe, é essa política que cotidianamente decide quem deve morrer quem deve viver e que estabelece discricionariamente quais vidas importam.

Observando o quadro da letalidade policial no país, apresentado no recentemente lançado Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, não seria exagerado afirmar que a policia brasileira é o principal agente do extermínio da juventude negra.

O Anuário registrou, em 2020, a média 17,6 mortes por dia decorrentes de intervenção policial – MDIP, o maior número desde que o indicador passou a ser monitorado pelo Fórum, sendo que as vítimas 78,9% eram negras e 76,2% tinham idades entre 12 e 29 anos.

Quem pressiona as polícias a agir, da forma como ela age, contra pobres e negros?

As causas da violência racista e classista em nosso país devem ser buscadas, para ser radical, na boniteza da acepção genuína da palavra, isto é, o que vai a raiz do problema, muito além das atitudes individuais e/ou orientações emanadas dos discursos demagógicos dos popularistas penais.

Neste sentido, duas questões são estruturantes dessa violência racista e classista no Brasil: o racismo estrutural e a política de guerra às drogas, sem o enfrentamento desses nós górdios do sistema de justiça e segurança pública, seguiremos presos ao “ciclo vicioso de violência letal”, a que se referiu o porta-voz da ONU ao falar sobre a chacina do Jacarezinho.

O que é que representa o bolsonarismo neste contexto? O que o senhor diz da teoria bandido bom bandido morto que embala muita gente e é uma fábrica de votos?
Podemos dizer que o bolsonarismo é, em certo sentido, um case de sucesso do popularismo penal. Com uma linguagem direta, apresentando uma “solução” simples para um problema complexo como a segurança, com abundante recurso as noticias falsas e a utilização da tecnologia do Big data, que coleta e analisa grandes volumes de dados variados em altíssima velocidade, o bolsonarismo conquistou mentes e corações de parcelas significativas da sociedade brasileira. A questão que tem se apresentado nas últimas pesquisas de opinião é a sustentabilidade do apoio a esse tipo de plataforma política de clara inspiração autoritária.

Nos EUA, nascedouro desse tipo de políticas, a derrota do Trump representou a dificuldade do apoio sustentável a esse tipo de popularismo penal, que se expressa em bordões carcomidos do tipo “bandido bom bandido morto”. A derrota do Trump foi um duro revés político e diplomático.

Bolsonaro perdeu seu aliado mais estratégico e poderoso e a narrativa de que o seu Governo representa a vanguarda do processo político mundial.

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